sábado, 20 de agosto de 2011

Palavras podem salvar vidas...

* por Celso Afonso Brum Sagastume

CARTA DE SEPÉ TIARAJU AOS REIS DE PORTUGAL E ESPANHA

(Que se tivesse chegado ao seu destino - e, posteriormente, tornada pública
ao mundo - poderia não só ter evitado o massacre dos guaranis na época, como
mudado o curso das guerras desde então. Palavras podem evitar guerras; desde
que tenham conteúdo e cheguem ao seu destino. Aquele massacre não foi
evitado; mas, quem sabe ainda haja tempo para que as palavras, sábias e
emocionantes, do índio guerreiro sul-america no possam ser ouvidas pelo
mundo, e ainda possam evitar mais guerras estúpidas...)

Reza uma lenda que o cacique Sepé Tiaraju teria escrito uma carta aos reis
de Portugal e Espanha para evitar o conflito que se seguiu - e praticamente
dizimou as tribos guaranis que viviam nos Sete Povos das Missões. Porém esta
carta nunca chegou ao seu destino; pois o índio que teria a missão de
entregar tal carta aos jesuítas, que estavam partindo para a Europa, teria
sido morto por uma guarnição do exército espanhol...

Só depois da tragédia ocorrida é que a carta chegou nas mãos de um oficial
espanhol que a leu, chorou, e depois se matou - de vergonha e de remorso
pelo que fizera...

O conteúdo desta carta nunca foi oficialmente reconhecido; mas relatos de
soldados que a leram, antes do oficial a ter destruído, contam trechos de
tal carta que dizia mais ou menos assim:

Do c acique guarani Joseph Tyaraju (Sepé Tiaraju) - dos Sete Povos das
Missões - 1753
Para os reis de Portugal e Espanha - donos do mundo, senhores da guerra e da
destruição.

Venho, em nome de meu povo, lhes dizer que ESTA TERRA TEM DONO; sempre teve
e sempre terá. Os donos da terra não são, e nunca serão, os conquistadores -
que vêm de longe apenas para mostrar sua força e sua indiferença com os
povos que vivem da terra. Os verdadeiros donos desta terra são, e sempre
serão, aqueles que cuidam, trabalham, plantam e colhem o que a terra dá; não
são, e nunca serão, aquele que destroem, com sua força, e impõe sua vontade
aos mais fracos.

Sou um índio de pouco conhecimento, mas aprendi, com meus antepassados, que
não existe ser mais vil e covarde do que aquele que usa sua força para
oprimir os mais fracos; para roubar dos que trabalham e impor sua vontade;
para destruir em nome de seu poder...

Nosso povo vive nesta terra desde o começo do mundo. Tupã, o nosso deus, nos
deu a terra para que possamos viver dela sem precisar matar nossos irmãos.
Temos terra suficiente para o nosso povo. Mas parece que para vocês, donos
do mundo, a terra nunca é suficiente. Vocês vivem para tomar a terra dos
outros e por isso são os donos do mundo, senhores da guerra e da destruição.
Vocês devem achar grande coisa ter mais do que precisam. Mas, para a
sabedoria e ignorância de nosso povo, vocês não passam de tolos, que nunca
estão satisfeitos com o que têm...

Os irmãos jesuítas nos ensinaram muitas coisas; e também aprenderam com o
nosso povo. Aprenderam a compartilhar a terra; dividir o trabalho e os
frutos da terra. Nos ensinaram que existe um deus maior do que o nosso e nos
ensinaram suas orações. Mas nós sabemos que o nosso deus é o mesmo que criou
a terra onde vivemos; e que não existe deus maior do que o deus da terra.
Agora eles falam que o deus do homem branco quer que nós entreguemos nossa
terra. A nossa terra sagrada! A terra que nosso deus nos deu! Este deus, de
que eles falam, não pode ser o mesmo que o nosso. Somente um deus injusto
poderia tirar a terra de quem dela precisa para dar a quem dela nunca
precisou. E um deus assim só pode ter sido criado por quem preza a ganância
e despreza a vida. Nosso deus também nos ensinou a não aceitar injustiças e,
se for preciso, morrer lutando contra os invasores que querem nos destruir.
Nosso deus não nos deixou nada escrito, como o de vocês - até porque nós só
aprendemos a ler com os jesuítas - mas nos deixou uma mensagem bem clara em
nossos corações: o que dói no meu irmão, dói em mim também; e todo homem é
meu irmão, com exceção do meu inimigo; e só é meu inimigo aquele que que r me
prejudicar ou prejudicar os meus irmãos. Nosso deus é simples assim, e não
precisa de 'tradutores' para nos dizer o que é certo e o que é errado.

Como vocês podem ver, nestas poucas linhas que lhes escrevo, sou um homem
ignorante para vocês; sou apenas um selvagem - como vocês nos chamam - mas
nosso povo vivia em paz com a nossa Mãe-Terra e com nossos irmãos jesuítas
até que vocês decidiram que devemos abandonar o nosso solo sagrado. Isso nos
parece um insulto, mas para vocês isso deve ser normal. Roubar e destruir,
para vocês, deve ser alguma prova de muita importância. Porque senão vocês
não mandariam seus irmãos lutarem e morrerem apenas para a vossa grandeza...

Entre o meu povo, o chefe-cacique tem o dever de reunir forças para defender
os mais fracos; para defender nossas casas, mulheres e crianças. Mas parece
que para vocês, é normal que o chefe-rei reuna suas forças para invadir
terras alheias; para saquear e roubar dos povos mais fracos. Para o nosso
povo ignorante, isso seria motivo de vergonha e nunca de orgulho. Para nós,
não existe nenhum orgulho ou glória em matar mulheres e crianças, ou dizimar
um povo pacífico e indefeso. Mas, somos apenas um povo selvagem e não
civilizado como vocês; por isso não podemos entender sua ganância.

Para finalizar, lhes digo que não temos interesse em pertencer a nenhum
reino ou império - nem de Portugal nem de Espanha - portanto se quiserem
dizer que esta terra pertence a estes ou a aqueles, para nós tanto faz. Mas
se vocês quiserem nos tirar de nossa terra e expulsar nossas famílias de
nossas casas, não teremos outra opção senão lutar até a morte. É isso que um
guerreiro honrado faz: luta para defender os mais fracos e o que é seu;
nunca para oprimir ou roubar o que não é seu - como seus gue rreiros fazem...

Se quiserem encher os livros de vocês com mais conquistas e mortes, podem
vir com suas armas de destruição, que estaremos esperando. Mas se a justiça
e a vida de vossos irmãos tiver algum valor para vocês, é melhor que
encontrem uma forma mais justa de negociar terras, para aumentar seus reinos
e impérios; sem que para isso tenham que sacrificar vidas e manchar de
sangue as páginas de vossos livros.

Respeitosamente.

Joseph Tyaraju - Cacique Guarani e Alferes Real do Cabildo de São Miguel

As perguntas que ficam são:
Será que o genocídio indígena teria ocorrido se tal carta chegasse aos reis
de Portugal e Espanha?
Será que os genocídios indígenas na América do Norte teriam ocorrido se tal
carta se tornasse pública para o mundo?
Será que Hitler teria a coragem de entrar para a história como o maior
invasor que foi?
Será que algum rei, imperador, presidente, ou qualquer chefe de Estado, ou
de exército, teria coragem de tomar as terras de outros povos depois de
conhecer a filosofia do cacique guarani?

Esta carta, como qualquer filosofia, só tem poder se for amplamente
divulgada - desde os povos mais simples (como eram os guaranis e sua
cultura) até os mais altos escalões de governo.

Esta carta, mesmo que sem confirmação histórica deveria fazer parte dos
livros de história e filosofia (se possível de documentários e filmes) e não
continuar esquecia e desconhecida da maioria.

Assim como a famosa, e também sábia, carta do cacique Seattle se tornou
pública, cabe a nós também fazer se tronar pública a sabedoria de nossos
heróis - como foi reconhecido, já muito tarde, o cacique Sepé Tiaraju.

Está em suas mãos fazer com que esta lendária carta seja divulgada - assim
como a lenda do cacique que ressuscitou para lutar sua última batalha contra
os invasores - e que faz parte da cultura popular desde os primeiros poetas
e trovadores até os mais recentes escritores de nosso tempo - desde Basílio
da Gama (1769), passando por Simões Lopes Neto (1910) até Tau Golin (1980).

O filme "A Missão" - que trata da saga guarani no Paraguai - ganhou palma de
Ouro (melhor filme) em Cannes (França) e foi indicado a 8 Oscars (nos
Estados Unidos). Mas a maior história desta mesma saga - a do cacique Sepé
Tiaraju - até agora continua sendo ignorada pelo cinema.

Tenho um sonho de que um dia ainda façam um filme (decente) contando a
história deste grande herói da luta guarani em defesa dos Sete Povos. Só
espero que não estraguem esta história magnífica (com 'rigores históricos) - para isso eu me disponho a ajudar no roteiro...

Em 2006 uma jornalista da minha cidade (São Sepé) me pediu para escrever um
texto para uma edição especial do jornal sobre os 250 anos da morte de Sepé
Tiaraju. O texto, que conta um pouco mais desta história, está abaixo:

SEPÉ TIARAJU E A UTOPIA GUARANI

Por volta do final do século XVII surgiu no sul da América o que sempre foi
um sonho para a humanidade: um povo unido que conseguiu viver em paz e
prosperidade - sem miséria nem desemprego - por cerca de 50 anos. Como disse
Voltaire - um dos pensadores franceses que, junto com outros iluministas,
idealizou as bases da Revolução Francesa de 1789 - "A grande experiência
das Missões latino-americanas foi única em toda a história. As Missões
Jesuíticas da América do Sul representam um grande triunfo para a
humanidade".

Durante este período, os índios guaranis - organizados e instruídos pelos
jesuítas europeu s - cultivaram a terra, criaram animais, desenvolveram sua
arte, seu artesanato, sua música, técnicas de confecções em couro,
arquitetura, metalurgia, etc., e conviveram em paz e harmonia, nos chamados
Sete Povos das Missões (hoje, interior do Rio Grande do Sul, parte da
Argentina e Paraguai); até que a estupidez dos prepotentes se fez maior...

A estupidez do animal-humano sempre buscou explorar seus semelhantes e se
apossar da terra - usando e abusando até a exaustão da mesma. E foi esta
estupidez que também manchou de sangue as páginas da história do homem sobre
a terra...

Do alto de seus tronos, os reis de Portugal e Espanha disputavam a posse do
novo mundo recém descoberto - como se a terra e os índios agora lhes
pertencessem. Fácil como assinar papéis, os "donos do mundo" resolvem
decidir sobre o destino de um povo, que tinha a liberdade como seu maior
valor. E foi nes te cenário de disputa que surge o cacique guarani Sepé
Tiaraju para lhes dizer que ESTA TERRA TEM DONO! E assim aquele recanto no
sul da América - antes um paraíso de paz e prosperidade - se transforma num
campo de batalha onde morrem espanhóis, portugueses e o povo guarani é
praticamente dizimado.

Até hoje os poucos índios que sobreviveram à ganância dos invasores - e
tantos outros excluídos - ainda lutam por um pedaço de terra para
sobreviver. A luta pela terra - que deveria ser um direito básico de cada
ser humano - permanece como uma lembrança de que o mundo ainda não é para
todos...

Hoje (7 de fevereiro de 2006) comemoramos 250 anos da morte do bravo
guerreiro; que preferiu morrer peleando do que ser expulso de sua terra.
Sepé Tiaraju é um exemplo de que não podemos aceitar injustiças e temos que
lutar contra a prepotência no mundo. O excesso de poder sempre leva à
ganância e à prepotência - ao abuso do poder - e a prepotência pode levar à
destruição de povos e países...

O mundo hoje é infinitamente diferente do mundo de Sepé Tiaraju, mas a
prepotência ainda impera; e o exemplo do índio que se revoltou contra os
impérios da sua época serve como uma advertência aos prepotentes, e como uma
lembrança de que os que morrem defendendo uma causa justa se eternizam nas
páginas da história da humanidade.

Sepé Tiaraju se tornou o símbolo da resistência e do instinto de liberdade
de um povo. Ele foi um típico herói gaúcho e missioneiro que passou para o
folclore popular como santo. E é por isso que no coração do Rio Grande do
Sul existe hoje uma cidade que se chama São Sepé; cujo povo tem orgulho de
seu passado, de ser gaúcho, de ser brasileiro, de ser latino-americano e,
principalmente, de ser humano.

*Celso Afonso Brum Sagastume
Autor dos livros:
- A busca da Felicidade através das Relações Humanas (esgotado)
- Utopia Real - "Um Outro Mundo é Possível" (esgotado)
- Como Realizar Seus Desejos (esgotado)
- Reflexões sobre a Vida (R$ 15,00)
- Vencendo a Morte - Uma análise filosófica (R$ 20,00)
- Livro Virtual em CD-ROM (esgotado)
Para saber mais, faça uma busca na internet, ou entre em contato...

E-Mail: celsoabs@plugnet.psi.br
Fone: (0..55) 3233-3315
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