sexta-feira, 29 de julho de 2011

Murdoch e o espírito do capitalismo

por Laurindo Lalo Leal Filho (*)
29/07/2011 00:00

A falta de leitura dos clássicos nos cursos de comunicação - O Capital, entre eles - obriga-me, muitas vezes, a recorrer a comparações singelas para explicar em palestras para estudantes a formação dos monopólios na mídia.
Preciso, antes de tudo, dessacralizar as empresas de comunicação. Por ingenuidade ou má fé, elas são vistas ou apresentadas apenas como instituições sociais, obscurecendo a natureza capitalista de suas estruturas básicas.
Para romper esse véu ideológico, as comparo com os donos dos velhos armazéns de secos e molhados, sempre de olho na possibilidade de comprar os estabelecimentos dos concorrentes, sonhando com a formação de grandes redes de lojas.
Essa mesma lógica, da acumulação capitalista, tão bem descrita por Marx na sua principal obra, preside a formação dos conglomerados de comunicação. De um jornal isolado, empresários mais audazes e bem relacionados, formam redes que, de locais passam a regionais, nac ionais e, hoje, são globais. Exemplo a News Corporation, de Rupert Murdoch.
Alguns países impõem limites internos ao processo de concentração. No entanto, as rápidas e recentes transformações tecnológicas têm facilitado a superação desses obstáculos por empresas globalizadas.
Sons e imagens, emitidos de qualquer parte do planeta, circulam quase sem nenhuma possibilidade de restrições. O que, em princípio, pode parecer um avanço na liberdade de informação e opinião, com o processo de acumulação capitalista, torna-se um retrocesso, na medida em que reduz globalmente os criadores e emissores desses produtos.
Se como no caso dos supermercados os monopólios liquidam com a concorrência nas duas pontas, impondo preços aos produtores e aos consumidores, no caso da mídia as conseqüências são ainda mais graves.
Os bens por ela oferecidos não se esgotam, como qualquer mercadoria, no ato do consumo. Ao venderem valores, hábitos e idéi as seus produtos permanecem nos corações e mentes do público por muito tempo depois de consumidos, às vezes por toda a vida.
Se a concentração dá ao dono da rede de supermercados um poder brutal para o enriquecimento econômico, ao empresário da comunicação esse poder é somado e combinado com o que lhe dá a possibilidade de impor a sua visão de mundo ao mundo e nele interferir diretamente. É ainda muito mais brutal.
Exemplo dessa imposição é o da invasão do Iraque pelos Estados Unidos. Mais de 200 editores das empresas de comunicação de Murdoch, espalhadas pelo mundo, foram obrigados a publicar matérias inverídicas justificando o ataque.
Poder político global combinado com uma acumulação de capital tão grande faz com que seus possuidores se sintam senhores do mundo. Não apenas para autorizar bisbilhotagens telefônicas mas para romper com qualquer obstáculo às suas pretensões de seguir ampliando os poderes conquistados.
A cri se gerada pela revelação do uso de escutas ilegais pelos jornais de Murdoch permitiu a descoberta de outras práticas, usadas para ampliar ainda mais o seu império. O sonho do magnata australiano de possuir uma rede de televisão no Reino Unido estava prestes a se concretizar.
Num país onde as regras para a concessão de canais abertos são rigorosas e passam por um amplo debate público a empreitada de Murdoch não era fácil. Mas ele encontrou um atalho.
Depois de apoiar o Partido Conservador nas últimas eleições gerais (na anterior havia apoiado o Trabalhista, de Blair), Murdoch se achou no direito de lançar uma nova cartada.
Seus executivos iniciaram contatos diretos com o primeiro ministro David Cameron buscando autorização do governo para comprar por oito bilhões de libras (aproximadamente 20 bilhões de reais) a maior rede de TV por satélite do pais, a BSkyB, com cerca de 10 milhões de assinantes.
O negócio, ao que tudo indica, está suspenso. O que não quer dizer que esteja acabado. A lógica da acumulação é inexorável.
Se há 20 bilhões de reais para serem investidos eles serão, de uma forma ou de outra. Resta saber se Murdoch insistirá no sonho inglês ou buscará ocupação para o seu dinheiro em outras plagas.
As escutas telefônicas realizadas pelos jornais da News Corporation são, sem dúvida, um crime grave. Mas o pensamento único globalizado, produto da acumulação do capital, é um crime ainda mais grave, praticado contra a humanidade.
De positivo, a partir dessas revelações, temos a esperança de que a conversa fiada sobre liberdade de imprensa no capitalismo seja, pelo menos, um pouco mais relativizada.

(*) Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de "A TV sob controle - A resposta da sociedade ao poder da televisão" (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.

domingo, 24 de julho de 2011

O moderno reacionário é a porta de entrada do velho fascismo

por Marcelo Semer
23/07/2011 00:00
Se você não entendeu a piada de Rafinha Bastos afirmando que para a mulher feia o estupro é uma benção, tranquilize-se. O teólogo Luiz Felipe Pondé acaba de fornecer uma explicação recheada da mais alta filosofia: a mulher enruga como um pêssego seco se não encontra a tempo um homem capaz de tratá-la como objeto.
Se você também considerou a deputada-missionária-ex-atriz Myriam Rios obscurantista ao ouvi-la falando sobre homossexualidade e pedofilia, o que dizer do ilustrado João Pereira Coutinho que comparou a amamentação em público com o ato de defecar ou masturbar-se à vista de todos?
Nas bancas ou nas melhores casas do ramo, neo-machistas intelectuais estão aí para nos advertir que os direitos humanos nada mais são do que o triunfo do obtuso, a igualdade é uma balela do enfadonho politicamente correto e não há futuro digno fora da liberdade de cada um de expressar a seu modo, o mais profundo desrespeito ao próximo.
O moderno rea cionário é um subproduto do alargamento da cidadania. São quixotes sem utopias, denunciando a patrulha de quem se atreve a contestar seu suposto direito líquido e certo a propagar um bom e velho preconceito.
Pondé já havia expressado a angústia de uma classe média ressentida, ao afirmar o asco pelos aeroportos-rodoviárias, repletos de gente diferenciada. Também dera razão em suas tortuosas linhas à xenofobia europeia.
De modo que dizer que as mulheres - e só elas - precisam se sentir objeto, para não se tornarem lésbicas, nem devia chamar nossa atenção.
Mas chamar a atenção é justamente o mote dos ditos vanguardistas. Detonar o humanismo sem meias palavras e mandar a conta do atraso para aqueles que ainda não os alcançaram.
No eufemismo de seus entusiasmados editores, enfim, tirar o leitor da zona de conforto.
É o que de melhor fazem, por exemplo, os colunistas do insulto, que recheiam as páginas das revistas de variedades, co m competições semanais de ofensas.
O presidente é uma anta, passeatas são antros de maconheiros e vagabundos, criminosos defensores de ideais esquerdizóides anacrônicos e outros tantos palavrões de ordem que fariam os retrógrados do Tea Party corarem de constrangimento.
Não é à toa que uma obscura figura política como Jair Bolsonaro foi trazida agora de volta à tona, estimulando racismo e homofobia como direitos naturais da tradicional família brasileira.
E na mesma toada, políticos de conhecida reputação republicana sucumbiram à instrumentalização do debate religioso, mandando às favas o estado laico e abrindo a caixa de Pandora da intolerância, que vem se espalhando como um rastilho de pólvora. A Idade Média, revisitada, agradece.
Com a agressividade típica de quem é dono da liberdade absoluta, e o descompromisso com valores éticos que consagra o "intelectual sem amarras", o cântico dos novos conservadores pode parecer seduto r.
Um bad-boy destemido, um lacerdista animador de polêmicas, um livre-destruidor do senso comum.
Nós já sabemos onde isto vai dar.
O rebaixamento do debate, a política virulenta que se espelha no aniquilamento do outro, a banalização da violência e a criação de párias expelidos da tutela da dignidade humana.
O reacionário moderno é apenas o ovo da serpente de um fascismo pra lá de ultrapassado.

(*) Marcelo Semer é juiz de Direito em São Paulo.
Foi presidente da Associação Juízes para a Democracia.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Sindicalista é investigado por evolução do patrimônio

Luiz Carlos Miranda é réu principal em ação na Justiça do Trabalho que cobra R$ 128 milhões de indenização por prejuízo a operários
Ana Flávia Gussen e Daniel Antunes* - Do Hoje em Dia - 18/07/2011 - 03:50

ENGENHEIRO CALDAS E IPATINGA - Operário metalúrgico, sindicalista e deputado estadual em exercício de primeiro mandato, Luiz Carlos Miranda (PDT) faz questão de propalar a origem humilde. Na plataforma de campanha ao Legislativo estadual em 2010, conta que nasceu numa família de oito irmãos, pai alfaiate e mãe servente escolar. Destaca que teve que trabalhar duro desde cedo. Engraxou sapatos, vendeu biscoitos de polvilho e jornais. Nas duas declarações de bens apresentadas à Justiça Eleitoral, em 2010 e na campanha derrotada a deputado estadual em 2006, Miranda mantém a modéstia. Seu patrimônio, inclusive, encolheu num período de alta generalizada de preços dos imóveis no Brasil. A imagem da sede da fazenda que possui no município de Engenheiro Caldas, no entanto, indica que há algo errado nas contas do sindicalista.

Em 2006, Miranda informou à Justiça Eleitoral um somatório de bens no valor de R$ 422.066,57. Os principais itens eram a fazenda, com valor atribuído de R$ 150 mil, uma casa em Ipatinga de R$ 160 mil e um apartamento em Belo Horizonte, avaliado por ele em R$ 60 mil. O candidato informou também possuir 60 cabeças de gado com valor total de R$ 40 mil.


LUIZ CARLOS MIRANDAA fazenda de Luiz Carlos Miranda, de 106 hectares em Engenheiro Caldas, foi avaliada em R$ 1,2 milhão referentes somente a terra nua (Foto: Leonardo Morais)



Em 2010, quando alcançou a suplência de deputado estadual, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Ipatinga (Sindipa) revelou estar mais pobre. Os bens somaram R$ 405 mil. Chama atenção a queda de um terço no valor da fazenda de Engenheiro de Caldas, que passou a valer R$ 100 mil. A casa de Ipatinga também desvalorizou para R$ 135 mil. As cabeças de gado desapareceram, embora as imagens atuais da fazenda mostrem uma quantidade considerável de vacas. Miranda fecha a conta patrimonial com um saldo de R$ 170 mil em caderneta de poupança.

Luiz Carlos Miranda é um líder da Força Sindical. Essa organização notabilizou-se nas décadas de 80 e 90 pelo lema do sindicalismo de resultados. Procurava contrapor-se à Central Única dos Trabalhadores (CUT), então hegemônica no Brasil. A Força se autoproclamava uma entidade que norteava sua atuação pelo diálogo com os empresários, rejeitava o radicalismo da CUT e, assim, conseguia maiores ganhos salariais para os trabalhadores.


LUIZ CARLOS MIRANDAFachada da casa que o deputado Luiz Carlos Miranda (PDT) possui no Bairro das Águas, em Ipatinga (Foto: Leonardo Morais)

Na terça-feira, o juiz Jonatas Rodrigues de Freitas, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), fará nova tentativa de conciliação no processo por corrupção no relacionamento entre o Sindipa e indústrias metalúrgicas do Vale do Aço, entre elas a Usiminas, a Unigal e a Magnesita. O Ministério Público do Trabalho (MPT) entendeu que os sindicalistas liderados por Luiz Carlos Miranda foram longe demais no sindicalismo de resultados. A pena pedida pelo MPT contra Miranda e as empresas soma R$ 128 milhões a serem recolhidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Entre os fatos listados pelo MPT estão a cessão gratuita de imóveis da Usiminas para o Sindipa, que alugou parte das instalações a terceiros, e empréstimos das empresas para o sindicato pagos com descontos de taxas ilegais nos contracheques dos trabalhadores. Outra acusação dos procuradores do Trabalho refere-se à montagem de uma 'lista negra' de trabalhadores que assumiam posição política contrária ao grupo de Miranda e às empresas. Quem entrava na lista era demitido e não conseguia mais emprego na região.

Reforço financeiro em xeque


Líder há 25 anos de um sindicato que representa 20 mil trabalhadores, Luiz Carlos Miranda assumiu a função de assistente industrial na Usiminas aos 24 anos de idade. Hoje ostenta um estilo peculiar de liderança sindical. A começar pelo Hyundai Azera 3.3, de propriedade do Sindipa, que fica à sua disposição nos fins de semana. Miranda gosta também de alardear seu prestígio político. Na plataforma de campanha de 2010, o sindicalista destacou que "tem trânsito livre junto aos governos estadual e federal e ao Congresso Nacional".


A força política obtida no comando do Sindipa, contudo, é alvo de uma investigação do Ministério Público Eleitoral (MPE) por acusação de uso da estrutura da entidade sindical na campanha de 2010, que rendeu a Luiz Carlos Miranda 41.046 votos. Suplente, assumiu a cadeira do colega Carlos Pimenta, também do PDT, nomeado secretário estadual de Trabalho e Emprego.


Na busca de votos, Miranda contou com a colaboração financeira de empresas empregadoras dos metalúrgicos que representa nas negociações salariais. Esse é um dos pontos principais da ação que tramita na Justiça do Trabalho contra o sindicalista, sob a alegação de que a prática afronta convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.


Segundo a prestação de contas apresentada à Justiça Eleitoral, Miranda arrecadou para a campanha R$ 761.583,87. Desse total, a Usiminas Mecânica S/A doou R$ 309.060, a Embalagens Siderúrgicas Ltda (Embasil), R$ 60 mil, a Construtora Vale do Aço Ltda (Convaço), R$ 30 mil, a Sankyu S/A, R$ 30 mil e a Sucateira Vale do Aço Ltda, R$ 30 mil.


LUIZ CARLOS MIRANDAEntrada da fazenda do dirigente da Força Sindical em Engenheiro Caldas, às margens da BR-116, a 45 quilômetros de Valadares (Foto: Leonardo Morais)


Antes de conquistar a vaga de deputado, Luiz Carlos Miranda já reunia um patrimônio típico de classe alta. A fazenda de 106 hectares em Engenheiro Caldas, às margens da BR-116, a 45 quilômetros de Governador Valadares, foi avaliada por corretores da região em R$ 1,2 milhão referentes somente à terra nua. Esse valor não considera as benfeitorias, como cercas em mourões intercalados por quatro tábuas de madeira, diversos galpões e pastagens formadas. A grandiosidade da sede, com casa em dois pavimentos e piscina não costuma ser levada em conta pelos corretores, pois representa um dispêndio de dinheiro que não contribui para a geração de receita da propriedade. Em Ipatinga, o presidente do Sindipa possui uma casa de dois andares no Bairro das Águas, área nobre da cidade. Declarada à Justiça Eleitoral por R$ 135 mil, é avaliada por corretores da cidade, que não tiveram acesso ao interior do imóvel, em pelo menos R$ 350 mil.


Este ano, Miranda mudou-se com a família para um apartamento de três quartos no Edifício Santorini, no Bairro de Lourdes, em Belo Horizonte, próximo da Assembleia Legislativa. Corretores da cidade avaliam o imóvel em R$ 700 mil. O filho, Luiz Carlos Miranda Júnior, nomeado recentemente assessor de eventos do Governo de Minas, estaria morando com o pai.

"Diárias em dólar e muita poupança"


Distintamente do estilo que ostenta em público, Luiz Carlos Miranda, de 56 anos, procura ser modesto quando fala de sua evolução patrimonial. "Tudo o que tenho foi conquistado com trabalho e economia", diz. Uma poupança que teria começado por meio das "50 viagens" que fez pelo mundo como dirigente sindical. "Estive na China e na (então) União Soviética. Recebia as diárias em dólar e sempre economizava. Não tenho nada a temer", afirma.


Como metalúrgico e dirigente sindical, Miranda diz receber atualmente um salário bruto de R$ 18 mil: R$ 7 mil como supervisor de produção da Usiminas, R$ 5 mil como presidente do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Ipatinga, R$ 3 mil como vice-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos, e outros R$ 3 mil como diretor da executiva nacional da Força Sindical. Miranda é preciso ao nominar a origem de seus proventos, mas tem dificuldade para puxar da memória na hora de contar como formou seu patrimônio. No caso da fazenda em Engenheiro Caldas, ele se refere à propriedade como "um sitiozinho" que serve para criar "umas cabecinhas de gado leiteiro", descansar e "tomar uma cachacinha" nos fins de semana. Miranda diz que tudo teve origem há mais ou menos 15, 16 anos, quando vendeu uma "terrinha" que tinha em Iapu, também no Vale do Aço. Não se lembra de quanto foi o negócio, levado a cabo com o salário que recebia do sindicato e da Usiminas.


A casa que possui em Ipatinga, diz, foi comprada com a ajuda da Usiminas. "A empresa tinha um plano especial para todos os seus funcionários, não era só para mim, não. Ela usava o Fundo de Garantia e cuidava de tudo. A venda era subsidiada e depois a gente tinha um financiamento de 18 a 20 anos".


Em Ipatinga, conhecidos do sindicalista afirmam que ele possui outro grande imóvel na cidade, mas Miranda nega. Admite que comprou "um lote" há algum tempo a pedido da irmã Rosária Maria Amélia de Miranda Faria, que morava nos Estados Unidos. Não se lembra por quanto nem de quem, mas garante que a transferência do imóvel já foi feita para a irmã, que pagou pela compra.


O sindicalista também nega que possua um imóvel em Belo Horizonte. "Não procede. É verdade que comprei, há tempos, um apartamento a pedido de um amigo meu. Mas tudo foi acertado, a transferência foi feita e ele já está pagando o imóvel. Vai pagar durante mais uns dez anos", conta Miranda, sem confirmar que ele próprio reside atualmente neste imóvel, mas dando a referência exata de onde fica: Avenida Álvares Cabral, 1.162, em uma região nobre da cidade.

fonte: http://www.hojeemdia.com.br/noticias/politica/sindicalista-e-investigado-por-evoluc-o-do-patrimonio-1.311610

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Os Otavinhos

por Emir Sader (*)

17/07/2011 00:00


Os otavinhos são personagens típicos do neoliberalismo. Precisam do desencanto da esquerda, para tentar impor a ideia do tango Cambalache: Nada é melhor tudo é igual.
Os otavinhos são jovens de idade, mas envelhecem rapidamente. Passam do ceticismo - todo projeto de transformação deu errado, tudo é ruim, todo tempo passado foi melhor, a política é por natureza corrupta - ao cinismo - quanto menos Estado, melhor, quanto mais mercado, melhor.
São tucanos, seu ídolo é o FHC, seu sonho era fazer chegar o Serra - a quem não respeitam, mas que lhes seria muito funcional ? à presidência. Vivem agora a ressaca de outra derrota, em barzinhos da Vila Madalena.
Tem ódio ao povo e a tudo o que cheira povo ? popular, sindicatos, Lula, trabalhadores, PT, MST, CUT, esquerda, samba, carnaval.
Se consideram a elite iluminada de um país que não os compreende. Os otavinhos são medíocres e ignorantes, mas se consideram gênios. Uns otavinhos acham iss o de si e dos outros otavinhos.
Só leem banalidades - Veja, Caras, etc. -, mas citam muito. Tem inveja dos intelectuais, da vida universitária, do mundo teórico, que sempre tratam de denegrir. Tem sentimento de inferioridade em relação aos intelectuais, que fazem a carreira que eles não conseguiram.
São financiados por bancos da família ou outras entidades afins, para ter jornais, revistas, editoras, fazer cinema, organizar festivais literários elitistas.
Fingem que gostam da França, mas são chegados a Miami.
Ficaram para trás com a internet, então abominam, como conservadores, reacionários idosos que é sua cabeça.
Se reúnem para reclamar do mundo e da sua decadência precoce.
Os otavinhos não tem caráter e por isso se dedicam a tentar denegrir a reputações dos que mantem valores e coerência, para tentar demonstrar que todo mundo é sem caráter, como eles.
Os otavinhos assumem o movimento de 1932, acham que São Pau lo é a "locomotiva da nação", que é uma ilha de civilização cercada de bárbaros por todos os lados. Os otavinhos detestam o Brasil, odeiam o Rio, a Bahia, o Nordeste. Odeiam o povo de São Paulo, querem se apropriar de São Paulo com seu espírito de elite.
Os otavinhos moram ou ambicionam morar nos Jardins e acham que o Brasil seria civilizado quando tudo fosse como nos Jardins.
Os otavinhos nunca leram FHC, não entendem nada do que ele fala, mas o consideram o maior intelectual brasileiro.
Os otavinhos são órfãos da guerra fria, da ditadura e do FHC. Andam olhando pra baixo, tristes, depressivos, infelizes.
Os otavinhos compram todas as revistas culturais, colocam no banco detrás do carro e não lêem nenhuma. Lêem a Veja e Caras.
Os otavinhos acham que a ditadura foi um mal momento, uma ditabranda.
Os otavinhos são deprimidos, depressivos, derrotados, desmoralizados, rancoroso, escrevem com o fígado. Os otavinhos têm úlcera n a alma.
Os otavinhos odeiam o Brasil, mas pretendem falar em nome do Brasil, para denegri-lo, promover a baixa estima. Os otavinhos pertencem ao passado, mas insistem em sobreviver.

(*) Emir Sader é sociólogo e autor do Blog do Emir, onde este artigo foi originalmente publicado.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Crise terminal do capitalismo?

por Leonardo Boff (*)

Tenho sustentado que a crise atual do capitalismo é mais que conjuntural e estrutural. É terminal. Chegou ao fim o gênio do capitalismo de sempre adaptar-se a qualquer circunstância. Estou consciente de que são poucos que representam esta tese. No entanto, duas razões me levam a esta interpretação.

A primeira é a seguinte: a crise é terminal porque todos nós, mas particularmente, o capitalismo, encostamos nos limites da Terra. Ocupamos, depredando, todo o planeta, desfazendo seu sutil equilíbrio e exaurindo excessivamente seus bens e serviços a ponto de ele não conseguir, sozinho, repor o que lhes foi sequestrado. Já nos meados do século XIX Karl Marx escreveu profeticamente que a tendência do capital ia na direção de destruir as duas fontes de sua riqueza e reprodução: a natureza e o trabalho. É o que está ocorrendo.
A natureza, efetivamente, se encontra sob grave estresse, como nunca esteve antes, pelo menos no último século, abstraindo das 15 grandes dizimações que conheceu em sua história de mais de quatro bilhões de anos. Os eventos extremos verificáveis em todas as regiões e as mudanças climáticas tendendo a um crescente aquecimento global falam em favor da tese de Marx. Como o capitalismo vai se reproduzir sem a natureza? Deu com a cara num limite intransponível.
O trabalho está sendo por ele precarizado ou prescindido. Há grande desenvolvimento sem trabalho. O aparelho produtivo informatizado e robotizado produz mais e melhor, com quase nenhum trabalho. A consequência direta é o desemprego estrutural.
Milhões nunca mais vão ingressar no mundo do trabalho, sequer no exército de reserva. O trabalho, da dependência do capital, passou à prescindência. Na Espanha o desemprego atinge 20% no geral e 40% e entre os jovens. Em Portugal 12% no país e 30% entre os jovens. Isso significa grave crise social, assolando neste momento a Grécia. Sacrifica-se toda uma sociedade em nome de uma economia, feita não para atender as demandas humanas, mas para pagar a dívida com bancos e com o sistema financeiro. Marx tem razão: o trabalho explorado já não é mais fonte de riqueza. É a máquina.
A segunda razão está ligada à crise humanitária que o capitalismo está gerando. Antes se restringia aos países periféricos. Hoje é global e atingiu os países centrais. Não se pode resolver a questão econômica desmontando a sociedade. As vítimas, entrelaças por novas avenidas de comunicação, resistem, se rebelam e ameaçam a ordem vigente. Mais e mais pessoas, especialmente jovens, não estão aceitando a lógica perversa da economia política capitalista: a ditadura das finanças que via mercado submete os Estados aos seus interesses e o rentismo dos capitais especulativos que circulam de bolsas em bolsas, auferindo ganhos sem produzir absolutamente nada a não ser mais dinheiro para seus rentistas.
Mas foi o próprio sistema do capital que criou o veneno que o pode matar: ao exigir dos trabalhadores uma formação técnica cada vez mais aprimorada para estar à altura do crescimento acelerado e de maior competitividade, involuntariamente criou pessoas que pensam. Estas, lentamente, vão descobrindo a perversidade do sistema que esfola as pessoas em nome da acumulação meramente material, que se mostra sem coração ao exigir mais e mais eficiência a ponto de levar os trabalhadores ao estresse profundo, ao desespero e, não raro, ao suicídio, como ocorre em vários países e também no Brasil.
As ruas de vários países europeus e árabes, os "indignados" que enchem as praças de Espanha e da Grécia são manifestação de revolta contra o sistema político vigente a reboque do mercado e da lógica do capital. Os jovens espanhóis gritam: "não é crise, é ladroagem". Os ladrões estão refestelados em Wall Street, no FMI e no Banco Central Europeu, quer dizer, são os sumossacerdotes do capital globalizado e explorador.
Ao agravar-se a crise, crescerão as multidões, pelo mundo afora, que não aguentam mais as consequências da superexploracão de suas vidas e da vida da Terra e se rebelam contra este sistema econômico que faz o que bem entende e que agora agoniza, não por envelhecimento, mas por força do veneno e das contradições que criou, castigando a Mãe Terra e penalizando a vida de seus filhos e filhas.

(*) Leonardo Boff é teólogo e escritor.