quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Yoni Sanchez: "a máscara e a mercenária"

Publicado em 26/04/2010 pelo(a) Wiki Repórter Johan, Fortaleza - CE
Abaixo reproduzo a esclarecedora entrevista do jornalista francês especialista em Cuba, Salm Lamrani, com a "dissidente cubana" Yoni Sanchez, que está circulando na internet e está provocando uma avalanche política pelo mundo.

Por Salim Lamranium

O incidente de 6 de novembro de 2009



Salim Lamrani - Comecemos pelo incidente ocorrido em 6 de novembro de 2009 em Havana. Em seu blog, a senhora explicou que foi presa com três amigos por "três robustos desconhecidos" durante uma "tarde carregada de pancadas, gritos e insultos". A senhora denunciou as violências de que foi vítima por parte das forças da ordem cubanas. Confirma sua versão dos fatos?


Yoani Sánchez - Efetivamente, confirmo que sofri violência. Mantiveram-me sequestrada por 25 minutos. Levei pancadas. Consegui pegar um papel que um deles levava no bolso e o coloquei em minha boca. Um deles pôs o joelho sobre meu peito e o outro, no assento dianteiro, me bati a na região dos rins e golpeava minha cabeça para que eu abrisse a boca e soltasse o papel. Por um momento, achei que nunca sairia daquele carro.

SL - O relato, em seu blog, é verdadeiramente terrorífico. Cito textualmente: a senhora falou de "golpes e empurrões", de "golpes nos nós dos dedos", de "enxurrada de golpes", do "joelho sobre o [seu] peito", dos golpes nos "rins e [...] na cabeça", do "cabelo puxado", de seu "rosto avermelhado pela pressão e o corpo dolorido", dos "golpes [que] continuavam vindo" e "todas essas marcas roxas". No entanto, quando a senhora recebeu a imprensa internacional em 9 de novembro, todas as marcas haviam desaparecido. Como explica isso?

YS - São profissionais do espancamento.


SL - Certo, mas por que a senhora não tirou fotos das marcas?

YS - Tenho as fotos. Tenho provas fotográficas.

SL - Tem provas fotográficas?

YS - Tenho as provas fotográficas.

SL - Mas por que não as publicou para desmentir todos os rumores segundo os quais a senhora havia inventado uma agressão para que a imprensa falasse de seu caso?

YS - Por enquanto prefiro guardá-las e não publicá-las. Quero apresentá-las um dia perante um tribunal, para que esses três homens sejam julgados. Lembro-me perfeitamente de seus rostos e tenho fotos de pelo menos dois deles. Quanto ao terceiro, ainda não está identificado, mas, como se tratava do chefe, será fácil de encontrar. Tenho também o papel que tirei de um deles e que tem minha saliva, pois o coloquei na boca. Neste papel estava escrito o nome de uma mulher.

SL - Certo. A senhora publica muitas fotos em seu blog. Para nós é difícil entender por que prefere não mostrar as marcas desta vez.

YS - Como já lhe disse, prefiro guardá-las para a Justiça.


SL - A senhora entende que, com essa atitude, está dando crédito aos que pensa m que a agressão foi uma invenção.

YS - É minha escolha.

SL - No entanto, até mesmo os meios ocidentais que lhe são mais favoráveis tomaram precauções oratórias pouco habituais para divulgar seu relato. O correspondente da BBC em Havana, Fernando Ravsberg, por exemplo, escreve que a senhora "não tem hematomas, marcas ou cicatrizes". A agência France Presseconta a história esclarecendo com muito cuidado que se trata de sua versão, sob o título "Cuba: a blogueira Yoani Sánchez diz ter sido agredida e detida brevemente". O jornalista afirma, por outro lado, que a senhora "não ficou ferida".

YS - Não quero avaliar o trabalho deles. Não sou eu quem deve julgá-lo. São profissionais que passam por situações muito complicadas, que não posso avaliar. O certo é que a existência ou não de marcas físicas não é a prova do fato.

SL - Mas a presença de marcas demonstraria que foram cometidas violências. Daí a importância da publicação das fotos.

YS - O senhor deve entender que tratamos de profissionais da intimidação. O fato de três desconhecidos terem me levado até um carro sem me apresentar nenhum documento me dá o direito de me queixar como se tivessem fraturado todos os ossos do corpo. As fotos não são importantes porque a ilegalidade está consumada. A precisão de que "me doeu aqui ou me doeu ali" é minha dor interior.


SL - Sim, mas o problema é que a senhora apresentou isso como uma agressão muito violenta. A senhora falou de "sequestro no pior estilo da Camorra siciliana".

YS - Sim, é verdade, mas sei que é minha palavra contra a deles. Entrar nesse tipo de detalhes, para saber se tenho marcas ou não, nos afasta do tema verdadeiro, que é o fato de terem me sequestrado durante 25 minutos de maneira ilegal.

SL - Perdoe-me a insistência, mas creio que é importante. Há uma diferença entre um controle de identidade que dura 25 minutos e violências policiais. Minha pergunta é simples. A senhora disse, textualmente: "Durante todo o fim de semana fiquei com a maçã do rosto e o supercílio inflamados." Como tem as fotos, pode agora mostrar as marcas.

YS - Já lhe disse que prefiro guardá-las para o tribunal.


SL - A senhora entende que, para algumas pessoas, será difícil acreditar em sua versão se a senhora não publicar as fotos.

YS - Penso que, entrando nesse tipo de detalhes, perde-se a essência. A essência é que três bloggers acompanhados por uma amiga dirigiam-se a um ponto da cidade que era a Rua 23, esquina G. Tínhamos ouvido falar que um grupo de jovens convocara uma passeata contra a violência. Pessoas alternativas, cantores de hip hop, de rap, artistas. Eu compareceria como blogueira para tirar fotos e publicá-las em meu blog e fazer entrevistas. No caminho, fomos interceptados por um carro da marca Geely.

SL - Para impedi-los de participar do evento?

YS - A razão, evidentemente, era esta. Eles nunca me disseram formalmente, mas era o objetivo. Disseram-me que entrasse no carro. Perguntei quem eles eram. Um deles me pegou pelo pulso e comecei a ir para trás. Isso aconteceu em uma zona bastante central de Havana, em um ponto de ônibus.

SL - Então havia outras pessoas. Havia testemunhas.

YS - Há testemunhas, mas não querem falar. Têm medo.

SL - Nem mesmo de modo anônimo? Por que a imprensa ocidental não as entrevistou preservando seu anonimato, como faz muitas vezes quando publica reportagens críticas sobre Cuba?

YS - Não posso lhe explicar a reação da imprensa. Posso lhe contar o que aconteceu. Um deles era um homem de uns cinquenta anos, musculoso como se tivesse praticado luta livre em algum momento da vida. Digo-lhe isso porque meu pai praticou esse esporte e tem as mesmas características. Tenh o os pulsos muito finos e consegui escapar, e lhe perguntei quem era. Havia três homens além do motorista.

SL - Então havia quatro homens no total, e não três.

YS - Sim, mas não vi o rosto do motorista. Disseram-me: "Yoani, entre no carro, você sabe quem somos." Respondi: "Não sei quem são os senhores." O mais baixo me disse: "Escute-me, voce sabe quem sou, você me conhece." Retruquei: "Não, não sei quem é você. Não o conheço. Quem é você? Mostre-me suas credenciais ou algum documento." O outro me disse: "Entre, não torne as coisas mais difíceis." Então comecei a gritar: "Socorro! Sequestradores!"

SL - A senhora sabia que se tratava de policiais à paisana?

YS - Imaginava, mas eles não me mostraram seus documentos.

SL - Qual era seu objetivo, então?

YS - Queria que as coisas fossem feitas dentro da legalidade, ou seja, que me mostrassem seus documentos e me levassem depois, embora e u suspeitasse que eles representavam a autoridade. Ninguém pode obrigar um cidadão a entrar em um carro particular sem apresentar suas credenciais. Isso é uma ilegalidade e um sequestro.

SL - Como as pessoas no ponto de ônibus reagiram?

YS - As pessoas no ponto ficaram atônitas, pois "sequestro" não é uma palavra que se usa em Cuba, não existe esse fenômeno. Então se perguntaram o que estava acontecendo. Não tínhamos jeito de delinquentes. Alguns se aproximaram, mas um dos policiais lhes gritou: "Não se metam, que são contrarrevolucionários!"

Esta foi a confirmação de que se tratava de membros da polícia política, embora eu já imaginasse por causa do carro Geely, que é chinês, de fabricação atual, e não é vendido em nenhuma loja em Cuba. Esses carros pertencem exclusivamente a membros do Ministério das Forças Armadas e do Ministério do Interior.

SL - Então a senhora sabia desde o início, pelo carr o, que se tratava de policiais à paisana.

YS - Intuía. Por outro lado, tive a confirmação quando um deles chamou um policial uniformizado. Uma patrulha formada por um homem e uma mulher chegou e levou dois de nós. Deixou-nos nas mãos desses dois desconhecidos.

SL - Mas a senhora já não tinha a menor dúvida sobre quem eles eram.

YS - Não, mas não nos mostraram nenhum documento. Os policiais não nos disseram que representavam a autoridade. Não nos disseram nada.


SL - É difícil entender o interesse das autoridades cubanas em agredi-la fisicamente, sob o risco de provocar um escândalo internacional. A senhora é famosa. Por que teriam feito isso?

YS - Seu objetivo era radicalizar-me, para que eu escrevesse textos violentos contra eles. Mas não conseguirão.

SL - Não se pode dizer que a senhora é branda com o governo cubano.

YS -Nunca recorro à violência verbal nem a at aques pessoais. Nunca uso adjetivos incendiários, como "sangrenta repressão", por exemplo. Seu objetivo, então, era radicalizar-me.

SL - No entanto, a senhora é muito dura em relação ao governo de Havana. Em seu blog, a senhora diz: "o barco que faz água a ponto de naufragar". A senhora fala dos "gritos do déspota", de "seres das sombras, que, como vampiros, se alimentam de nossa alegria humana, nos incutem o medo por meio da agressão, da ameaça, da chantagem", e afirma que "naufragaram o processo, o sistema, as expectativas, as ilusões. [É um] naufráfio [total]". São palavras muito fortes.

YS - Talvez, mas o objetivo deles era queimar o fenômeno Yoani Sánchez, demonizar-me. Por isso meu blog permaneceu bloqueado por um bom tempo.

SL - Contudo, é surpreendente que as autoridades cubanas tenham decidido atacá-la fisicamente.

YS - Foi uma torpeza. Não entendo por que me impediram de assistir à passeata, pois n ão penso como aqueles que reprimem. Não tenho explicação. Talvez eles não quisessem que eu me reunisse com os jovens. Os policiais acreditavam que eu iria provocar um escândalo ou fazer um discurso incendiário.

Voltando ao assunto da detenção, os policiais levaram meus amigos de maneira enérgica e firme, mas sem violência. No momento em que me dei conta de que iriam nos deixar sozinhos com Orlando, com esses três tipos, agarrei-me a uma planta que havia na rua e Claudia agarrou-se a mim pela cintura para impedir a separação, antes de os policiais a levarem.

SL - Para que resistir às forças da ordem uniformizadas e correr o risco de ser acusada disso e cometer um delito? Na França, se resistimos à polícia, corremos o risco de sofrer sanções.

YS - De qualquer modo, eles nos levaram. A policial levou Claudia. As três pessoas nos levaram até o carro e comecei a gritar de novo: "Socorro! Um sequestro!"

SL - Po r quê? A senhora sabia que se tratava de policiais à paisana.

YS - Não me mostraram nenhum papel. Então começaram a me bater e me empurraram em direção ao carro. Claudia foi testemunha e relatou isso.

SL - A senhora não acaba de me dizer que a patrulha a havia levado?

YS - Ela viu a cena de longe, enquanto o carro de polícia se afastava. Defendi-me e golpeei como um animal que sente que sua hora chegou. Deram uma volta rápida e tentaram tirar-me o papel da boca.
Agarrei um deles pelos testículos e ele redobrou a violência. Levaram-nos a um bairro bem periférico, La Timba, que fica perto da Praça da Revolução. O homem desceu, abriu a porta e pediu que saíssemos. Eu não quis descer. Eles nos fizeram sair à força com Orlando e foram embora.

Uma senhora chegou e dissemos que havíamos sido sequestrados. Ela nos achou malucos e se foi. O carro voltou, mas não parou. Eles só me jogaram minha bolsa, onde es tavam meu celular e minha câmera.

SL - Voltaram para devolver seu celular e sua câmera?


YS - Sim.

SL - Não lhe parece estranho que se preocupassem em voltar? Poderiam ter confiscado seu celular e sua câmera, que são suas ferramentas de trabalho.

YS - Bem, não sei. Tudo durou 25 minutos.

SL - Mas a senhora entende que, enquanto não publicar as fotos, as pessoas duvidarão de sua versão, e isso lançará uma sombra sobre a credibilidade de tudo o que a senhora diz.

YS - Não importa.


A Suíça e o retorno a Cuba

SL - Em 2002, a senhora decidiu emigrar para a Suíça. Dois anos depois, voltou a Cuba. É difícil entender por que a senhora deixou o "paraíso europeu" para regressar ao país que descreve como um inferno. A pergunta é simples: por quê?

YS - É uma ótima pergunta. Primeiro, gosto de nadar contra a corrente. Gosto de or ganizar minha vida à minha maneira. O absurdo não é ir embora e voltar a Cuba, e sim as leis migratórias cubanas, que estipulam que toda pessoa que passa onze meses no exterior perde seu status de residente permanente.

Em outras condições eu poderia permanecer dois anos no exterior e, com o dinheiro ganho, voltar a Cuba para reformar a casa e fazer outras coisas. Então o surpreendente não é o fato de eu decidir voltar a Cuba, e sim as leis migratórias cubanas.

SL - O mais surpreendente é que, tendo a possibilidade de viver em um dos países mais ricos do mundo, a senhora tenha decidido voltar a seu país, que descreve de modo apocalíptico, apenas dois anos depois de sua saída.

YS - As razões são várias. Primeiro, não pude ir embora com minha família. Somos uma pequena família, mas minha irmã, meus pais e eu somos muito unidos. Meu pai ficou doente em minha ausência e tive medo de que ele morresse sem que eu pudesse vê- lo. Também me sentia culpada por viver melhor do que eles. A cada vez que comprava um par de sapatos, que me conectava à internet, pensava neles. Sentia-me culpada.

SL - Certo, mas, da Suíça, a senhora podia ajudá-los enviando dinheiro.

YS - É verdade, mas há outro motivo. Pensei que, com o que havia aprendido na Suíça, poderia mudar as coisas voltando a Cuba. Há também a saudade das pessoas, dos amigos. Não foi uma decisão pensada, mas não me arrependo.

Tinha vontade de voltar e voltei. É verdade que isso pode parecer pouco comum, mas gosto de fazer coisas incomuns. Criei um blog e as pessoas me perguntaram por que eu fiz isso, mas o blog me satisfaz profissionalmente.

SL - Entendo. No entanto, apesar de todas essas razões, é difícil entender o motivo de seu regresso a Cuba quando no Ocidente se acredita que todos os cubanos querem abandonar o país. É ainda mais surpreendente em seu caso, pois a senhora apre senta seu país, repito, de modo apocalíptico.

YS - Como filóloga, eu discutiria a palavra, pois "apocalíptico" é um termo grandiloquente. Há um aspecto que caracteriza meu blog: a moderação verbal.

SL - Não é sempre assim. A senhora, por exemplo, descreve Cuba como "uma imensa prisão, com muros ideológicos". Os termos são bastantes fortes.

YS - Nunca escrevi isso.

SL - São as palavras de uma entrevista concedida ao canal francês France 24 em 22 de outubro de 2009.

YS - O senhor leu isso em francês ou em espanhol?

SL - Em francês.

YS - Desconfie das traduções, pois eu nunca disse isso. Com frequência me atribuem coisas que eu não disse. Por exemplo, o jornal espanhol ABC me atribuiu palavras que eu nunca havia pronunciado, e protestei. O artigo foi finalmente retirado do site na internet.

SL - Quais eram essas palavras?

YS - "Nos hospitais cubanos, morre mai s gente de fome do que de enfermidades." Era uma mentira total. Eu jamais havia dito isso.

SL - Então a imprensa ocidental manipulou o que a senhora disse?

YS - Eu não diria isso.

SL - Se lhe atribuem palavras que a senhora não pronunciou, trata-se de manipulação.

YS - O Granma manipula a realidade mais do que a imprensa ocidental ao afirmar que sou uma criação do grupo midiático Prisa.

SL - Justamente, a senhora não tem a impressão de que a imprensa ocidental a usa porque a senhora preconiza um "capitalismo sui generis" em Cuba?

YS - Não sou responsável pelo que a imprensa faz. Meu blog é uma terapia pessoal, um exorcismo. Tenho a impressão de que sou mais manipulada em meu próprio país do que em outra parte. O senhor sabe que existe uma lei em Cuba, a lei 88, chamada lei da "mordaça", que põe na cadeia as pessoas que fazem o que estamos fazendo.

SL - O que isso quer dizer?
< br />YS - Que nossa conversa pode ser considerada um delito, que pode ser punido com uma pena de até 15 anos de prisão.

SL - Perdoe-me, o fato de eu entrevistá-la pode levá-la para a cadeia?

YS - É claro!

SL - Não tenho a impressão de que isso a preocupe muito, pois a senhora está me concedendo uma entrevista em plena tarde, no saguão de um hotel no centro de Havana Velha.

YS - Não estou preocupada. Esta lei estipula que toda pessoa que denuncie as violações dos direitos humanos em Cuba colabora com as sanções econômicas, pois Washington justifica a imposição das sanções contra Cuba pela violação dos direitos humanos.

SL - Se não me engano, a lei 88 foi aprovada em 1996 para responder à Lei-Helms Burton e sanciona sobretudo as pessoas que colaboram com a aplicação desta legislação em Cuba, por exemplo fornecendo informações a Washington sobre os investidores estrangeiros no país, para que es tes sejam perseguidos pelos tribunais norte-americanos. Que eu saiba, ninguém até agora foi condenado por isso.

Falemos de liberdade de expressão. A senhora goza de certa liberdade de tom em seu blog. Está sendo entrevistada em plena tarde em um hotel. Não vê uma contradição entre o fato de afirmar que não há nenhuma liberdade de expressão em Cuba e a realidade de seus escritos e suas atividades, que provam o contrário?

YS - Sim, mas o blog não pode ser acessado desde Cuba, porque está bloqueado.

SL - Posso lhe assegurar que o consultei esta manhã antes da entrevista, no hotel.

YS - É possível, mas ele permanece bloqueado a maior parte do tempo. De todo modo, hoje em dia, mesmo sendo uma pessoa moderada, não posso ter nenhum espaço na imprensa cubana, nem no rádio, nem na televisão.

SL - Mas pode publicar o que tem vontade em seu blog.

YS - Mas não posso publicar uma única palavra na im prensa cubana.

SL - Na França, que é uma democracia, amplos setores da população não têm nenhum espaço nos meios, já que a maioria pertence a grupos econômicos e financeiros privados.

YS - Sim, mas é diferente.

SL - A senhora recebeu ameaças por suas atividades? Alguma vez a ameaçaram com uma pena de prisão pelo que escreve?

YS - Ameaças diretas de pena de prisão, não, mas não me deixam viajar ao exterior. Fui convidada há pouco para um Congresso sobre a língua espanhola no Chile, fiz todos os trâmites, mas não me deixam sair.

SL - Deram-lhe alguma explicação?

YS - Nenhuma, mas quero dizer uma coisa. Para mim, as sanções dos Estados Unidos contra Cuba são uma atrocidade. Trata-se de uma política que fracassou. Afirmei isso muitas vezes, mas não se publica, pois é incômodo o fato de eu ter esta opinião que rompe com o arquétipo do opositor.


As sanções econômicas



SL - Então a senhora se opõe às sanções econômicas.

YS - Absolutamente, e digo isso em todas as entrevistas. Há algumas semanas, enviei uma carta ao Senado dos Estados Unidos pedindo que os cidadãos norte-americanos tivessem permissão para viajar a Cuba. É uma atrocidade impedir que os cidadãos norte-americanos viajem a Cuba, do mesmo modo que o governo cubano me impede de sair de meu país.

SL - O que acha das esperanças suscitadas pela eleição de Obama, que prometeu uma mudança na política para Cuba, mas decepcionou muita gente?

YS - Ele chegou ao poder sem o apoio do lobby fundamentalista de Miami, que defendeu o outro candidato. De minha parte, já me pronunciei contra as sanções.

SL - Este lobby fundamentalista é contra a suspensão das sanções econômicas.

YS - O senhor pode discutir com eles e lhes expor meus argum entos, mas eu não diria que são inimigos da pátria. Não penso assim.

SL - Uma parte deles participou da invasão de seu próprio país em 1961, sob as ordens da CIA. Vários estão envolvidos em atos de terrorismo contra Cuba.

YS - Os cubanos no exílio têm o direito de pensar e decidir. Sou a favor de que eles tenham direito ao voto. Aqui, estigmatizou-se muito o exílio cubano.

SL - O exílio "histórico" ou os que emigraram depois, por razões econômicas?

YS - Na verdade, oponho-me a todos os extremos. Mas essas pessoas que defendem as sanções econômicas não são anticubanas. Considere que elas defendem Cuba segundo seus próprios critérios.

SL - Talvez, mas as sanções econômicas afetam os setores mais vulneráveis da população cubana, e não os dirigentes. Por isso é difícil ser a favor das sanções e, ao mesmo tempo, querer defender o bem-estar dos cubanos.

YS - É a opinião deles. É assim.

SL - Eles não são ingênuos. Sabem que os cubanos sofrem com as sanções.

YS - São simplesmente diferentes. Acreditam que poderão mudar o regime impondo sanções. Em todo caso, creio que o bloqueio tem sido o argumento perfeito para o governo cubano manter a intolerância, o controle e a repressão interna.

SL - As sanções econômicas têm efeitos. Ou a senhora acha que são apenas uma desculpa para Havana?

YS - São uma desculpa que leva à repressão.

SL - Afetam o país de um ponto de vista econômico, para a senhora? Ou é apenas um efeito marginal?

YS - O verdadeiro problema é a falta de produtividade em Cuba. Se amanhã suspendessem as sanções, duvido muito que víssemos os efeitos.

SL - Neste caso, por que os Estados Unidos não suspendem as sanções, tirando assim a desculpa do governo? Assim perceberíamos que as dificuldades econômicas devem-se apenas às políticas int ernas. Se Washington insiste tanto nas sanções apesar de seu caráter anacrônico, apesar da oposição da imensa maioria da comunidade internacional, 187 países em 2009, apesar da oposição de uma maioria da opinião pública dos Estados Unidos, apesar da oposição do mundo dos negócios, deve ser por algum motivo, não?

YS - Simplesmente porque Obama não é o ditador dos Estados Unidos e não pode eliminar as sanções.

SL - Ele não pode eliminá-las totalmente porque não há um acordo no Congresso, mas pode aliviá-las consideravelmente, o que não fez até agora, já que, salvo a eliminação das sanções impostas por Bush em 2004, quase nada mudou.

YS - Não, não é verdade, pois ele também permitiu que as empresas de telecomunicações norte-americanas fizessem transações com Cuba.


Os prêmios internacionais, o blog e Barack Obama


SL - A senhora terá de admitir que é bem pouco, quando se sabe que Obama prometeu um novo enfoque para Cuba. Voltemos a seu caso pessoal. Como explica esta avalanche de prêmios, assim como seu sucesso internacional?

YS - Não tenho muito a dizer, a não ser expressar minha gratidão. Todo prêmio implica uma dose de subjetividade por parte do jurado. Todo prêmio é discutível. Por exemplo, muitos escritores latino-americanos mereciam o Prêmio Nobel de Literatura mais que Gabriel García Márquez.

SL - A senhora afirma isso porque acredita que ele não tem tanto talento ou por sua posição favorável à Revolução cubana? A senhora não nega seu talento de escritor, ou nega?

YS - É minha opinião, mas não direi que ele obteve o prêmio por esse motivo nem vou acusá-lo de ser um agente do governo sueco.

SL - Ele obteve o prêmio por sua obra literária, enquanto a senhora foi recompensada por suas posições políticas contra o governo. É a impressão que temos.

YS - Falemos do prêmio Ortega y Gasset, do jornal El País, que suscita mais polêmica. Venci na categoria "Internet". Alguns dizem que outros jornalistas não conseguiram, mas sou uma blogueira e sou pioneira neste campo. Considero-me uma personagem da internet. O júri do prêmio Ortega y Gasset é formado por personalidades extremamente prestigiadas e eu não diria que elas se prestaram a uma conspiração contra Cuba.

SL - A senhora não pode negar que o jornal espanhol El País tem uma linha editorial totalmente hostil a Cuba. E alguns acham que o prêmio, de 15.000 euros, foi uma forma de recompensar seus escritos contra o governo.

YS - As pessoas pensam o que querem. Acredito que meu trabalho foi recompensado. Meu blog tem 10 milhões de visitas por mês. É um furacão.

SL - Como a senhora faz para pagar os gastos com a administração de semelhante tráfego?

YS - Um amigo na Alemanha se encarregava disso, pois o site estava hospedado na Alemanha. Há mais de um ano está hospedado na Espanha, e consegui 18 meses gratuitos graças ao prêmio The Bob’s.

SL - E a tradução para 18 línguas?

YS - São amigos e admiradores que o fazem voluntária e gratuitamente.

SL - Muitas pessoas acham difícil acreditar nisso, pois nenhum outro site do mundo, nem mesmo os das mais importantes instituições internacionais, como as Nações Unidas, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, a OCDE, a União Europeia, dispõe de tantas versões de idioma. Nem o site do Departamento de Estado dos EUA, nem o da CIA contam com semelhante variedade.

YS - Digo-lhe a verdade.

SL - O presidente Obama inclusive respondeu a uma entrevista que a senhora fez. Como explica isso?

YS - Em primeiro lugar, quero dizer que não eram perguntas complacentes.

SL - Tampouco podemos afirmar que a se nhora foi crítica, já que não pediu que ele suspendesse as sanções econômicas, sobre as quais a senhora diz que "são usadas como justificativa tanto para o descalabro produtivo quanto para reprimir os que pensam diferente". É exatamente o que diz Washington sobre o tema.

O momento de maior atrevimento foi quando a senhora perguntou se ele pensava em invadir Cuba. Como a senhora explica que o presidente Obama tenha dedicado tempo a lhe responder apesar de sua agenda extremamente carregada, com uma crise econômica sem precedentes, a reforma do sistema de saúde, o Iraque, o Afeganistão, as bases militares na Colômbia, o golpe de Estado em Honduras e centenas de pedidos de entrevista dos mais importantes meios do mundo à espera?

YS - Tenho sorte. Quero lhe dizer que também enviei perguntas ao presidente Raúl Castro e ele não me respondeu. Não perco a esperança. Além disso, ele agora tem a vantagem de contar com as respostas de Obama.

SL - Como a senhora chegou até Obama?

YS - Transmiti as perguntas a várias pessoas que vinham me visitar e poderiam ter um contato com ele.

SL - Em sua opinião, Obama respondeu porque a senhora é uma blogueira cubana ou porque se opõe ao governo?

YS - Não creio. Obama respondeu porque fala com os cidadãos.

SL - Ele recebe milhões de solicitações a cada dia. Por que lhe respondeu, se a senhora é uma simples blogueira?

YS - Obama é próximo de minha geração, de meu modo de pensar.

SL - Mas por que a senhora? Existem milhões de blogueiros no mundo. Não acha que foi usada na guerra midiática de Washington contra Havana?

YS - Em minha opinião, ele talvez quisesse responder a alguns pontos, como a invasão de Cuba. Talvez eu tenha lhe dado a oportunidade de se manifestar sobre um tema que ele queria abordar havia muito tempo. A propaganda política nos fala constantemente de uma possível invasão de Cuba.

SL - Mas ocorreu uma, não?

YS - Quando?

SL - Em 1961. E, em 2003, Roger Noriega, subsecretário de Estado para Assuntos Interamericanos, disse que qualquer onda migratória cubana em direção aos Estados Unidos seria considerada uma ameaça à segurança nacional e exigiria uma resposta militar.

YS - É outro assunto. Voltando ao tema da entrevista, creio que ela permitiu esclarecer alguns pontos. Tenho a impressão de que há uma intenção de ambos os lados de não normalizar as relações, de não se entender. Perguntei-lhe quando encontraríamos uma solução.

SL - A seu ver, quem é responsável por este conflito entre os dois países?

YS - É difícil apontar um culpado.

SL - Neste caso específico, são os Estados Unidos que impõem sanções unilaterais a Cuba, e não o contrário.

YS - Sim, mas Cuba confiscou propriedades dos Estados Unidos.

SL - Tenho a impressão de que a senhora faz o papel de advogada de Washington.

YS - Os confiscos ocorreram.

SL - É verdade, mas foram realizados conforme o direito internacional. Cuba também confiscou propriedades da França, Espanha, Itália, Bélgica, Reino Unido, e indenizou estas nações. O único país que recusou as indenizações foram os Estados Unidos.

YS - Cuba também permitiu a instalação de bases militares em seu território e de mísseis de um império distante...

SL - ...Como os Estados Unidos instalaram bases nucleares contra a URSS na Itália e na Turquia.

YS - Os mísseis nucleares podiam alcançar os Estados Unidos.

SL - Assim como os mísseis nucleares norte-americanos podiam alcançar Cuba ou a URSS.

YS - É verdade, mas creio que houve uma escalada no confronto por parte de ambos os países.


Os cinco presos políticos cubanos e a dissidência



SL - Abordemos outro tema. Fala-se muito dos cinco presos políticos cubanos nos Estados Unidos, condenados à prisão perpétua por infiltrar grupelhos de extrema direita na Flórida envolvidos no terrorismo contra Cuba.

YS - Não é um tema que interesse à população. É propaganda política.

SL - Mas qual é seu ponto de vista a respeito?

YS - Tentarei ser o mais neutra possível. São agentes do Ministério do Interior que se infiltraram nos Estados Unidos para coletar informações. O governo de Cuba disse que eles não desempenhavam atividades de espionagem, mas sim que haviam infiltrado grupos cubanos para evitar atos terroristas. Mas o governo cubano sempre afirmou que esses grupos estavam ligados a Washington.

SL - Então os grupos radicais de exilados têm laços com o governo dos Estados Unidos.

YS - É o que diz a propaganda política.

SL - Então não é verdade.

YS - Se é verdade, significa que os cinco realizavam atividades de espionagem.

SL - Neste caso, os Estados Unidos têm de reconhecer que os grupos violentos fazem parte do governo.

YS - É verdade.

SL - A senhora acha que os Cinco devem ser libertados ou merecem a punição?

YS - Creio que valeria a pena revisar os casos, mas em um contexto político mais apaziguado. Não acho que o uso político deste caso seja bom para eles. O governo cubano midiatiza demais este assunto.

SL - Talvez por ser um assunto totalmente censurado pela imprensa ocidental.

YS - Creio que seria bom salvar essas pessoas, que são seres humanos, têm uma família, filhos. Por outro lado, contudo, também há vítimas.

SL - Mas os cinco não cometeram crimes.

YS - Não, mas forneceram informações que causaram a morte de várias pessoas.

SL - A senhora se refere aos acontecimentos de 24 de fevereiro de 1996, quando dois aviões da organização radical Brothers to the Rescue foram derrubados depois de violar várias vezes o espaço aéreo cubano e lançar convocações à rebelião.

YS - Sim.

SL - No entanto, o promotor reconheceu que era impossível provar a culpa de Gerardo Hernández neste caso.

YS - É verdade. Penso que, quando a política se intromete em assuntos de justiça, chegamos a isso.

SL - A senhora acha que se trata de um caso político?

YS - Para o governo cubano, é um caso político.

SL - E para os Estados Unidos?

YS - Penso que existe uma separação dos poderes no país, mas é possível que o ambiente político tenha influenciado os juízes e jurados. Não creio, no entanto, que se trate de um caso político dirigido por Washigton. É difícil ter uma imagem clara deste caso, pois jamais obtivemos uma informação completa a resp eito. Mas a prioridade para os cubanos é a libertação dos presos políticos.


O financiamiento dos dissidentes cubanos pelos Estados Unidos



SL - Wayne S. Smith, último embaixador dos Estados Unidos em Cuba, declarou que era "ilegal e imprudente enviar dinheiro aos dissidentes cubanos". Acrescentou que "ninguém deveria dar dinheiro aos dissidentes, muito menos com o objetivo de derrubar o governo cubano".
Ele explica: "Quando os Estados Unidos declaram que seu objetivo é derrubar o governo cubano e depois afirmam que um dos meios para conseguir isso é oferecer fundos aos dissidentes cubanos, estes se encontram de fato na posição de agentes pagos por uma potência estrangeira para derrubar seu próprio governo".

YS - Creio que o financiamento da oposição pelos Estados Unidos tem sido apresentado como uma realidade, o que não é o caso. Conheço vários memb ros do grupo dos 75 dissidentes presos em 2003 e duvido muito dessa versão. Não tenho provas de que os 75 tenham sido presos por isso. Não acredito nas provas apresentadas nos tribunais cubanos.

SL - Não creio que seja possível ignorar esta realidade.

YS - Por quê?

SL - O próprio governo dos Estados Unidos afirma que financia a oposição interna desde 1959. Basta consultar, além dos arquivos liberados ao público, a seção 1.705 da lei Torricelli, de 1992, a seção 109 da lei Helms-Burton, de 1996, e os dois informes da Comissão de Assistência para uma Cuba Livre, de maio de 2004 e julho de 2006. Todos esses documentos revelam que o presidente dos Estados Unidos financia a oposição interna em Cuba com o objetivo de derrubar o governo de Havana.

YS: Não sei, mas...

SL - Se me permite, vou citar as leis em questão. A seção 1.705 da lei Torricelli estipula que "os Estados Unidos proporcionarão assistênc ia às organizações não-governamentais adequadas para apoiar indivíduos e organizações que promovem uma mudança democrática não violenta em Cuba."

A seção 109 da lei Helms-Burton também é muito clara: "O presidente [dos Estados Unidos] está autorizado a proporcionar assistência e oferecer todo tipo de apoio a indivíduos e organizações não-governamentais independentes para unir os esforços a fim de construir uma democracia em Cuba".

O primeiro informe da Comissão de Assistência para uma Cuba Livre prevê a elaboração de um "sólido programa de apoio que favoreça a sociedade civil cubana". Entre as medidas previstas há um financiamento de 36 milhões de dólares para o "apoio à oposição democrática e ao fortalecimento da sociedade civil emergente".

O segundo informe da Comissão de Assistência para uma Cuba Livre prevê um orçamento de 31 milhões de dólares para financiar ainda mais a oposição interna. Além disso, está previsto para os anos seguintes um financiamento anual de pelo menos 20 milhões de dólares, com o mesmo objetivo, "até que a ditadura deixe de existir".

YS - Quem lhe disse que esse dinheiro chegou às mãos dos dissidentes?

SL - A Seção de Interesses Norte-americanos afirmou em um comunicado: "A política norte-americana, faz muito tempo, é proporcionar assistência humanitária ao povo cubano, especificamente a famílias de presos políticos. Também permitimos que as organizações privadas o façam."

YS - Bem...

SL - Inclusive a Anistia Internacional, que lembra a existência de 58 presos políticos em Cuba, reconhece que eles estão detidos "por ter recebido fundos ou materiais do governo norte-americano para realizar atividades que as autoridades consideram subversivas e prejudiciais para Cuba".

YS - Não sei se...

SL - Por outro lado, os próprios dissidentes admitem receber dinheiro dos Estados Unidos. Laura Pollán, das Damas de Branco, declarou: "Aceitamos a ajuda, o apoio, da ultradireita à esquerda, sem condições". O opositor Vladimiro Roca também confessou que a dissidência cubana é subvencionada por Washington, alegando que a ajuda financeira recebida era "total e completamente lícita". Para o dissidente René Gómez, o apoio econômico por parte dos Estados Unidos "não é algo a esconder ou de que precisemos nos envergonhar".

Inclusive a imprensa ocidental reconhece. A agência France Presse informa que "os dissidentes, por sua parte, reivindicaram e assumiram essas ajudas econômicas". A agência espanhola EFEmenciona os "opositores financiados pelos Estados Unidos". Quanto à agência de notícias britânica Reuters, "o governo norte-americano fornece abertamente um apoio financeiro federal às atividades dos dissidentes, o que Cuba considera um ato ilegal". E eu poderia multiplicar os exemplos.

YS - Tudo isso é c ulpa do governo cubano, que impede a prosperidade econômica de seus cidadãos, que impõe um racionamento à população. É preciso fazer fila para conseguir produtos. É necessário julgar antes o governo cubano, que levou milhares de pessoas a aceitar a ajuda estrangeira.

SL - O problema é que os dissidentes cometem um delito que a lei cubana e todos os códigos penais do mundo sancionam severamente. Ser financiado por uma potência estrangeira é um grave delito na Franca e no restante do mundo.

YS - Podemos admitir que o financiamento de uma oposição é uma prova de ingerência, mas...

SL - Mas, neste caso, as pessoas que a senhora qualifica de presos políticos não são presos políticos, pois cometeram um delito ao aceitar dinheiro dos Estados Unidos, e a justiça cubana as condenou com base nisso.

YS - Creio que este governo se intrometeu muitas vezes nos assuntos internos de outros países, financiando movimentos rebe ldes e a guerrilha. Interveio em Angola e...

SL - Sim, mas se tratava de ajudar os movimentos independentistas contra o colonialismo português e o regime segregacionista da África do Sul. Quando a África do Sul invadiu a Namíbia, Cuba interveio para defender a independência deste país. Nelson Mandela agradeceu publicamente a Cuba e esta foi a razão pela qual fez sua primeira viagem a Havana, e não a Washington ou Paris.

YS - Mas muitos cubanos morreram por isso, longe de sua terra.

SL - Sim, mas foi por uma causa nobre, seja em Angola, no Congo ou na Namíbia. A batalha de Cuito Cuanavale, em 1988, permitiu que se pusesse fim ao apartheid na África do Sul. É o que diz Mandela! Não se sente orgulhosa disso?

YS - Concordo, mas, no fim das contas, incomoda-me mais a ingerência de meu país no exterior. O que faz falta é despenalizar a prosperidade.

SL - Inclusive o fato de se receber dinheiro de uma potência e strangeira?

YS - As pessoas têm de ser economicamente autônomas.


SL - Se entendo bem, a senhora preconiza a privatização de certos setores da economia.

YS - Não gosto do termo "privatizar", pois tem uma conotação pejorativa, mas colocar em mãos privadas, sim.


Conquistas sociais em Cuba?



SL - É uma questão semântica, então. Quais são, para a senhora, as conquistas sociais deste país?

YS - Cada conquista teve um custo enorme. Todas as coisas que podem parecer positivas tiveram um custo em termos de liberdade. Meu filho recebe uma educação muito doutrinária e contam-lhe uma história de Cuba que em nada corresponde à realidade. Preferiria uma educação menos ideológica para meu filho. Por outro lado, ninguém quer ser professor neste país, pois os salários são muito baixos.

SL - Concordo, mas isso não impede que Cuba seja o país com o maior número de professores por habitante do mundo, com salas de 20 alunos no máximo, o que não ocorre na França, por exemplo.

YS - Sim, mas houve um custo, e por isso a educação e a saúde não são verdadeiras conquistas para mim.

SL - Não podemos negar algo reconhecido por todas as instituições internacionais. Em relação à educação, o índice de analfabetismo é de 11,7% na América Latina e 0,2% em Cuba. O índice de escolaridade no ensino primário é de 92% na América Latina e 100% em Cuba, e no ensino secundário é de 52% e 99,7%, respectivamente. São cifras do Departamento de Educação da Unesco.

YS - Certo, mas, em 1959, embora Cuba vivesse em condições difíceis, a situação não era tão ruim. Havia uma vida intelectual florescente, um pensamento político vivo. Na verdade, a maioria das supostas conquistas atuais, apresentadas como resultados do sistema, eram inerentes a noss a idiossincrasia. Essas conquistas existiam antes.

SL - Não é verdade. Vou citar uma fonte acima de qualquer suspeita: um informe do Banco Mundial. É uma citação bastante longa, mas vale a pena.

"Cuba é internacionalmente reconhecida por seus êxitos no campo da educação e da saúde, com um serviço social que supera o da maior parte dos países em desenvolvimento e, em certos setores, comparável ao dos países desenvolvidos. Desde a Revolução cubana de 1959 e do estabelecimento de um governo comunista com partido único, o país criou um sistema de serviços sociais que garante o acesso universal à educação e à saúde, proporcionado pelo Estado. Este modelo permitiu que Cuba alcançasse uma alfabetização universal, a erradicação de certas enfermidades, o acesso geral à água potável e a salubridade pública de base, uma das taxas de mortalidade infantil mais baixas da região e uma das maiores expectativas de vida. Uma revisão do s indicadores sociais de Cuba revela uma melhora quase contínua desde 1960 até 1980. Vários índices importantes, como a expectativa de vida e a taxa de mortalidade infantil, continuaram melhorando durante a crise econômica do país nos anos 90... Atualmente, o serviço social de Cuba é um dos melhores do mundo em desenvolvimento, como documentam numerosas fontes internacionais, entre elas a Organização Mundial de Saúde, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e outras agências da ONU, e o Banco Mundial. Segundo os índices de desenvolvimento do mundo em 2002, Cuba supera amplamente a América Latina e o Caribe e outros países com renda média nos mais importantes indicadores de educação, saúde e salubridade pública."

Além disso, os números comprovam. Em 1959, a taxa de mortalidade infantil era de 60 por mil. Em 2009, era de 4,8. Trata-se da taxa mais baixa do continente americano do Terceiro Mundo; inclusive mais baixa que a dos Esta dos Unidos.

YS - Bom, mas...

SL - A expectativa de vida era de 58 anos antes da Revolução. Agora é de quase 80 anos, similar à de muitos países desenvolvidos. Cuba tem hoje 67.000 médicos frente aos 6.000 de 1959. Segundo o diário ingles The Guardian, Cuba tem duas vezes mais médicos que a Inglaterra para uma população quatro vezes menor.

YS - Certo, mas, em termos de liberdade de expressão, houve um recuo em relação ao governo de Batista. O regime era uma ditadura, mas havia uma liberdade de imprensa plural e aberta, programas de rádio de todas as tendências políticas.

SL - Não é verdade. A censura da imprensa também existia. Entre dezembro de 1956 e janeiro de 1959, durante a guerra contra o regime de Batista, a censura foi imposta em 630 de 759 dias. E aos opositores reservava-se um triste destino.

YS - É verdade que havia censura, intimidações e mortos ao final.

SL - Então a senhora não pode dizer que a situação era melhor com Batista, já que os opositores eram assassinados. Já não é o caso hoje. A senhora acha que a data de 1º de janeiro é uma tragédia para a história de Cuba?

YS - Não, de modo algum. Foi um processo que motivou muita esperança, mas traiu a maioria dos cubanos. Fui um momento luminosos para boa parte da população, mas puseram fim a uma ditadura e instauraram outra. Mas não sou tão negativa como alguns.


Luis Posada Carriles, a lei de Ajuste Cubano e a emigração



SL - O que acha de Luis Posada Carriles, ex-agente da CIA responsável por numerosos crimes em Cuba e a quem os Estados Unidos recusam-se a julgar?

YS - É um tema político que não interessa às pessoas. É uma cortina de fumaça.

SL - Interessa, pelo menos, aos parentes das vítimas. Qual é seu ponto de vista a respeito?

YS - Não gosto de ações violentas.

SL - Condena seus atos terroristas?

YS - Condeno todo ato de terrorismo, inclusive os cometidos atualmente no Iraque por uma suposta resistência iraquiana que mata os iraquianos.

SL - Quem mata os iraquianos? Os ataques da resistência ou os bombardeios dos Estados Unidos?

YS - Não sei.

SL - Uma palavra sobre a lei de Ajuste Cubano, que determina que todo cubano que emigra legal o ilegalmente para os Estados Unidos obtém automaticamente o status de residente permanente.

YS - É uma vantagem que os demais países não têm. Mas o fato de os cubanos emigrarem para os Estados Unidos deve-se à situação difícil aqui.

SL - Além disso, os Estados Unidos são o país mais rico do mundo. Muitos europeus também emigram para lá. A senhora reconhece que a lei de Ajuste Cubano é uma formidável ferramenta de incitação à emigração legal e ilegal?

YS - É, efetivamente, um fator de incitação.

SL - A senhora não vê isso como uma ferramenta para desestabilizar a sociedade e o governo?

YS - Neste caso, também podemos dizer que a concessão da cidadania espanhola aos descendentes de espanhóis nascidos em Cuba é um fator de desestabilização.

SL - Não tem nada a ver, pois existem razões históricas e, além disso, a Espanha aplica esta lei a todos os países da América Latina e não só a Cuba, enquanto a lei de Ajuste Cubano é única no mundo.

YS - Mas existem fortes relações. Joga-se beisebol em Cuba como nos Estados Unidos.

SL - Na República Dominicana também, mas não existe uma lei de ajuste dominicano.

YS - Existe, no entanto, uma tradição de aproximação.

SL - Então por que esta lei não foi aprovada antes da Revolução?

YS - Por que os cubanos não queriam deixar seu país. Na época, Cuba era um país de imig ração, não de emigração.

SL - É absolutamente falso, já que, nos anos 50, Cuba ocupava o segundo lugar entre os países americanos em termos de emigração rumo aos Estados Unidos, imediatamente atrás do México. Cuba mandava mais emigrantes para os Estados Unidos que toda a América Central e toda a América do Sul juntas, enquanto que atualmente Cuba só ocupa o décimo lugar apesar da lei de Ajuste Cubano e das sanções econômicas.

YS - Talvez, mas não havia essa obsessão de abandonar o país.

SL - As cifras demonstram o contrário. Atualmente, repito, Cuba só ocupa o décimo lugar no continente americano em termos de fluxo migratório para os Estados Unidos. Então a obsessão da qual você me fala é mais forte en nove países do continente pelo menos.

YS - Sim, mas naquela época os cubanos iam e regressavam.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Não somos agora a 6ª economia do mundo, não estamos a frente da Inglaterra, como se explica isso então?

Salário do professor no Brasil é o 3º pior do mundo
CNTE (Conf. Nac. dos Trabalhs. na Educação) - O professor brasileiro de primário é um dos que mais sofre com os baixos salários.
É o que mostra pesquisa feita em 40 países pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) divulgada ontem, em Genebra, na Suíça. A situação dos brasileiros só não é pior do que a dos professores do Peru e da Indonésia.
Um brasileiro em início de carreira, segundo a pesquisa, recebe em média menos de US$ 5 mil por ano para dar aulas. Isso porque o valor foi calculado incluindo os professores da rede privada de ensino, que ganham bem mais do que os professores das escolas públicas. Além disso, o valor foi estipulado antes da recente desvalorização do real diante do dólar. Hoje, esse resultado seria ainda pior, pelo menos em relação à moeda americana.
Na Alemanha, um professor com a mesma experiência de um brasileiro, ganha, em média, US$ 30 mil por ano, mais de seis vezes a renda no Brasil. No topo da carreira e após mais de 15 anos de ensino, um professor brasileiro pode chegar a ganhar US$ 10 mil por ano. Em Portugal, o salário anual chega a US$ 50 mil, equivalente aos salários pagos aos suíços. Na Coréia, os professores primários ganham seis vezes o que ganha um brasileiro.
Com os baixos salários oferecidos no Brasil, poucos jovens acabam seguindo a carreira. Outro problema é que professores com alto nível de educação acabam deixando a profissão em busca de melhores salários.
O estudo mostra que, no País, apenas 21,6% dos professores primários têm diploma universitário, contra 94% no Chile. Nas Filipinas, todos os professores são obrigados a passar por uma universidade antes de dar aulas.
A OIT e a Unesco dizem que o Brasil é um dos países com o maior número de alunos por classe, o que prejudica o ensino. Segundo o estudo, existem mais de 29 alunos por professor no Brasil, enquanto na Dinamarca, por exemplo, a relação é de um para dez.
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o salário médio do docente do ensino fundamental em início de carreira no Brasil é o terceiro mais baixo do mundo, no universo de 38 países desenvolvidos e em desenvolvimento. O salário anual médio de um professor na Indonésia é US$ 1.624, no Peru US$ 4.752 e no Brasil, US$ 4.818, o equivalente a R$ 11 mil. A Argentina, por sua vez, paga US$ 9.857 por ano aos professores, cerca de R$ 22 mil, exatamente o dobro. Por que há tanta diferença?
Fonte: CNTE

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Ildo Sauer denuncia como José Dirceu entregou o Pré-Sal para Eike Batista

A maior entrega da história do Brasil
Segunda parte da entrevista do professor Ildo Sauer, diretor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo, concedida a Pedro Estevam da Rocha Pomar e Thaís Carrança, da revista da Associação dos Docentes da USP (Adusp).
Considerado um dos maiores especialistas em energia do país, ex-diretor da Petrobras no primeiro governo Lula, Sauer conta como foi descoberto o Pré-Sal e denuncia o lobby feito por José Dirceu para entregar a Eike Batista a maior parte das reservas.
Revista Adusp: Você ainda estava na Petrobras, quando o Pré-Sal foi descoberto?
Ildo Sauer - Eu ajudei a tomar essa decisão. Nós tomamos essa decisão, não sabíamos quanto ia custar. O poço de Tupi custou US$ 264 milhões, para furar os 3 km de sal e descobrir que tinha petróleo. O Lula foi avisado em 2006 e a Dilma também, de que agora um novo modelo geológico havia sido descoberto, cuja dimensão era gigantesca, não se sabia quanto. Então, obviamente, do ponto de vista político, naquele momento a nossa posição, de muitos diretores da Petrobras, principalmente eu e Gabrielli, que tínhamos mais afinidade política com a proposta do PT de antigamente, a abandonada, achávamos que tinha que parar com todo e qualquer leilão, como aliás foi promessa de campanha do Lula.
Na transição, a Dilma ainda falou, “não vai ter mais leilão”. Mas se subjugaram às grandes pressões e mantiveram os leilões. Fernando Henrique fez quatro, Lula fez cinco. Lula entregou mais áreas e mais campos para a iniciativa privada do petróleo do que Fernando Henrique.
Um ex-ministro do governo Lula e dois do governo FHC foram assessorar Eike Batista. O que caberia a um governo que primasse por dignidade? Cancelar o leilão. Por que não foi feito? Porque tanto Lula, quanto Dilma, quanto os ex-ministros, estavam nessa empreitada.
Revista Adusp: Mas Gabrielli era contra e acabou concordando?
Ildo Sauer - Não. A Petrobras não manda nisso, a Petrobras é vítima, ela não era ouvida. Quem executa isso é a ANP [Agência Nacional do Petróleo], comandada pelo PCdoB, e a mão de ferro na ANP era a Casa Civil. Então a voz da política energética era a voz da Dilma, ela é que impôs essa privatização na energia elétrica e no petróleo.
Depois do petróleo já confirmado em 2006, a ANP criou um edital pelo qual a Petrobras tinha limitado acesso. Podia ter no máximo 30% ou 40% dos blocos, necessários para criar concorrência. Porque, em 2006, Tupi já havia sido furado e comunicado. O segundo poço de Tupi, para ver a dimensão, foi feito mais adiante, esse ficou pronto em 2007. Só que o Lula e a Dilma foram avisados pelo Gabrielli em 2006.
Muitos movimentos sociais foram a Brasília, nós falávamos com os parlamentares, os sindicatos foram protestar. O Clube de Engenharia, que é a voz dos engenheiros, mandou uma carta ao Lula, em 2007, pedindo para nunca mais fazer leilão.
Em 2005-6, o [Rodolfo] Landim, o queridinho do Lula e da Dilma, saiu da Petrobras. Porque o consultor da OGX, do grupo X, do senhor [Eike] Batista, era o ex-ministro da Casa Civil (José Dirceu), e ele sugeriu então que Eike entrasse no petróleo. Aí ele contratou o Landim, que começou a arquitetar. Como o centro nevrálgico da estratégia da Petrobras é a gerência executiva de exploração, o geólogo Paulo Mendonça, nascido em Portugal, formado aqui na USP, e o Landim, articularam para em 2007 criar uma empresa nova, a partir dos técnicos da Petrobras. E o senhor Batista queimou alguns milhões de dólares para assinar os contratos e dar as luvas desses novos cargos, que estavam dentro da Petrobras mas, desde que o Landim foi trabalhar com o senhor Batista, ele já estava lá para arrancar de dentro da Petrobras esses técnicos.
Aí chegou o fim de 2007, todos nós pressionando para não ter mais leilão, o Lula tira 41 blocos… Mas vamos voltar a 2006. Em 2006, quem anulou o leilão foi a Justiça, por discriminação contra a Petrobras. Ouvi isso da Jô Moraes, num debate na Câmara dos Deputados.
Só que aí se criou o seguinte imbróglio: um ex-ministro do governo Lula e dois do governo Fernando Henrique, Pedro Malan e Rodolpho Tourinho, foram assessorar o Eike Batista. Ele já tinha gasto um monte para criar sua empresa de petróleo. Se o leilão fosse suspenso, ele ia ficar sem nada, e já tinha aliciado toda a equipe de exploração e produção da Petrobras.
O que caberia a um governo que primasse por um mínimo de dignidade para preservar o interesse público? Cancelar o leilão e processar esses caras que saíram da Petrobras com segredos estratégicos. Por que não foi feito? Porque tanto Lula, quanto Dilma, quanto os ex-ministros, os dois do governo anterior e um do governo Lula, estavam nessa empreitada.
Revista Adusp: Quem era o ex-ministro?
Ildo Sauer - O ex-chefe da Casa Civil, antecessor de Dilma.
Revista Adusp: José Dirceu?
Ildo Sauer - É, ele foi assessor do Eike Batista, consultor. Para ele, não era do governo, ele pegou contrato de consultoria, para dar assistência nas negociações com a Bolívia, com a Venezuela e aqui dentro. Ele [Dirceu] me disse que fez isso. Do ponto de vista legal, nenhuma recriminação contra ele, digamos assim. Eu tenho (recriminação) contra o governo que permitiu se fazer.
E hoje ele [Eike] anuncia ter 10 bilhões de barris já, que valem US$ 100 bilhões. Até então, esse senhor Batista era um milionário, tinha cerca de US$ 200 milhões. Todo mundo já sabia que o Pré-Sal existia, menos o público, porque o governo não anunciou publicamente. As empresas que operavam sabiam, tanto que a Ente Nazionale Idrocarburi D’Italia (ENI) pagou US$ 300 milhões por um dos primeiros poços leiloados em 2008. Três ou quatro leilões foram feitos quando o leilão foi suspenso pela justiça. Até hoje, volta e meia o [ministro] Lobão ameaça retomar o leilão de 2008, 2006. A oitava rodada. Para entregar. Tudo em torno do Pré-Sal estava entregue naquele leilão. No leilão seguinte, o governo insiste em leiloar. E leiloou. E na franja do Pré-Sal é que tem esse enorme poderio.
Como é que pode? A empresa dele (Eike) foi criada em julho de 2007. Em junho de 2008 ele fez um Initial Public Offering, arrecadou R$ 6,71 bilhões por 38% da empresa, portanto a empresa estava valendo R$ 17 bilhões, R$ 10 bilhões dele. Tudo que ele tinha de ativo: a equipe recrutada da Petrobras e os blocos generosamente leiloados por Lula e Dilma. Só isso. Eu denunciei isso já em 2008. Publicamente, em tudo quanto é lugar que eu fui, eu venho falando para que ficasse registrado antes que ele anunciasse as suas descobertas. Porque fui alertado pelos geólogos de que lá tinha muito petróleo.
Foi um acordo que chegaram a fazer, numa conversa entre Pedro Malan, Rodolpho Tourinho e a então ministra-chefe da Casa Civil (Dilma), em novembro, antes do leilão. O Lula chegou a concordar, segundo disse o pessoal do MST e os sindicalistas, em acabar com o leilão. Mas esse imbroglio, de o empresário ter gasto dezenas de milhões de dólares para recrutar equipe e apoio político nos dois governos fez com que eles mantivessem… Tiraram o filé-mignon, mas mantiveram o contra-filé. O contra-filé é alguém que hoje anuncia ser o oitavo homem mais rico do mundo.
E tudo foi mediante essa operação no seio do governo. Contra a recomendação dos técnicos da Petrobras, do Clube de Engenharia, do sindicalismo. Foi a maior entrega da história do Brasil. O ato mais entreguista da história brasileira, em termos econômicos. Pior, foi dos processos de acumulação primitiva mais extraordinários da história do capitalismo mundial. Alguém sai do nada e em três anos tem uma fortuna de bilhões de dólares.
A Petrobras durante a vida inteira conseguiu descobrir 20 bilhões de barris de petróleo, antes do Pré-Sal. Este senhor, está no site da OGX, já tem 10 bilhões de barris consolidados. Os Estados Unidos inteiros têm 29,4 bilhões de barris. Ele anuncia que estará produzindo, em breve, 1,4 milhão de barris por dia — o mesmo que a Líbia produz hoje.
É esse o quadro. Ou a população brasileira se dá conta do que está em jogo, ou o processo vai ser o mesmo de sempre. Do jeito que foi-se a prata, foi-se o ouro, foram-se as terras, irão também os potenciais hidráulicos e o petróleo, para essas negociatas entre a elite. O modelo aprovado não é adequado. Mantém-se uma aura de risco sem necessidade, para justificar que o cara está “correndo risco”, mas um risco que ele já sabe que não existe.
Qual é a nossa proposta? Primeiro, vamos mapear as reservas: saber se temos 100 bilhões, 200 bilhões, 300 bilhões de barris. Segundo, vamos criar o sistema de prestação de serviço: a Petrobras passa a operar, recebe por cada barril de petróleo produzido US$ 15 ou US$ 20, e o governo determina o ritmo de produção. Porque há um problema: a Arábia Saudita produz em torno de 10 milhões de barris, a Rússia uns 8 milhões de barris, depois vêm os outros, com 2 a 4 milhões de barris por dia: Venezuela, Iraque, Irã. O Eike Batista anuncia a produção de 1,4 milhão de barris, a Petrobras anuncia 5 milhões de barris e pouco. Significa que o Brasil vai exportar uns 3 ou 4 milhões de barris. Já é o terceiro ator. Não se pode fazer mais isso.
http://www.tribunadaimprensa.com.br/?p=26923

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Terra de Ninguém

Infelizmente, desde o “Homicídio nº 1”, que vitimou
João Valentim Pascoal, morto por um policial militar, a
cidade de Ipatinga e o Vale do Aço vêm convivendo com
a impunidade. Logo após o caso, que marcou a cidade na
década de 50, o município enfrentou impunemente outro
episódio marcante, o “Massacre de Ipatinga”, em 1963 –
que vitimou um número ainda incerto de operários e da
população –, na repressão ao movimento grevista que os
articuladores do golpe militar de 1964 quiseram dar como
exemplo. Além dos episódios e casos mais notórios das décadas
de 50 e 60, o problema da violência e da impunidade,
nestas mesmas décadas, acontecia de forma cotidiana,
com “menos intensidade” nas cadeias públicas (xadrezes,
“latões” e “seguros”, onde outras formas de violação de direitos
humanos eram “garantidos” pelo Estado).
Exceto alguns casos de extermínio perpetrados por capangas
ligados a alguns grupos políticos, com clara conotação
de queima-de-arquivo, como no “Caso Tonhão” e
outros que se seguiram, Ipatinga seguiu presenciando assassinatos,
noticiados cotidianamente, como crimes envolvendo
as forças de segurança: ou seja, as polícias. Todos
os crimes, hipocritamente, sem solução como os casos
Juninho, da Missionária, Massacre de Belo Oriente, e,
mais recentemente, dos Meninos de Revés do Belém, etc.
A lista, envolvendo as forças de segurança, pode se prolongar
por várias páginas, para ficarmos em casos notórios.
Aqueles mais simples, de troca de tiros entre bandidos e
agentes de segurança são raros. Parece, as forças de segurança
não são muito de enfrentamento.
Aliás, os jornais adorariam anunciar este tipo de atividade
– os duelos entre bandidos e mocinhos, os confrontos.
E adorariam anunciar também que tais e tais crimes
foram desvendados – e nem precisam ser aqueles cometidos
pela própria polícia. E anunciariam com prazer que
as polícias estão cada vez mais aparelhadas para combater
a criminalidade.
Mas, não. Temos que noticiar, cotidianamente que
um menino de 16 anos foi morto pelo tráfico, foi morto
porque estava envolvido com a criminalidade, foi morto
porque tinha que morrer. Lamentavelmente uma das
primeiras coisas que os órgãos de segurança fazem é puxar
a “capivara” do finado. Se estiver envolvido como
crack, então, ótimo, está justificada a morte. Ninguém
sequer se dá ao trabalho de investigar, nenhuma justificativa
à família. Mas pode ser também um caso como
o do Clube do Cavalo (da Quintaneja), basta se calar,
se silenciar – mais uma vez envolvendo um agente de
segurança.
Nós, de parte da imprensa, estamos acompanhando,
boquiabertos, esta situação. Um problema histórico que
está se tornando endêmico. Sozinhos, podemos apenas noticiar
os fatos, mas acreditamos que está na hora dos delegados
(as), promotores (as) públicos (as), juízes (as), vereadores
(as) e demais autoridades tomaram atitudes mais
severas em relação ao assunto.
Sob o risco de, todos, em breve, vivermos em terra de
ninguém.


Fonte: Diário Popular 29/12/2011

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

2011: Crise Capitalista e novo cenário no Oriente Médio

por Emir Sader
29/12/2011 00:00
O cenário geral que englobou a todo o ano de 2011 foi o novo ciclo da crise geral do capitalismo, iniciado em 2008. Pelo tipo de medidas tomadas naquele momento, era de se esperar que houvesse um novo brote da crise, mesmo se não se pudesse imaginar uma intensidade tão forte como aquela que afeta especialmente a economia europeia.
Ao ter salvado os bancos, detonante e epicentro da crise, os governos acreditavam que salvariam as economias e os países. Os bancos se salvaram e deixaram as economias e os países abandonados. Até porque os bancos têm a seu favor os organismos financeiros internacionais e as agências de risco, que agem de forma coerente e coordenada.
Por isso a crise voltou como bumerangue, tendo agora diretamente os governos como epicentros, pressionados pelo sistema bancário e pelos organismos que expressam seus interesses - FMI, Banco Central Europeu. Depois de bancos e outras instituições financeiras, em 2008, agora países passaram a falir, tendo a Grécia como caso paradigmático, que estende sua sombra sobre quase todos os países da zona do euro.
A unificação monetária - que foi a essência da unificação europeia, a ponto que os referendos perguntavam diretamente se queriam a moeda única e não a Europa unificada - se revelou uma armadilha, tanto para os países mais fragilizados, que na ausência de políticas monetárias nacionais, não tiveram formas de se defender minimamente da crise, como os países em melhores condições, que tiveram que acudir a eles, sob o risco de desabamento de toda a arquitetura do euro, levando-os também de roldão.
As respostas se deram no marco das políticas neoliberais dominantes, combatendo centralmente os déficits públicos e não os efeitos econômicos e sociais dessas políticas: a recessão e o desemprego. Como é típico do neoliberalismo, a centralidade está na estabilidade monetária e não no desenvolvimento econômico e na geração de empregos.
Como resultado, a maior novidade do 2011 é que a Europa ingressou de cheio numa fase recessiva, que deve demorar pelo menos uma década e que, dramaticamente, termina com seu Estado de bem-estar social, característico de suas sociedades no segundo pós-guerra. Os outros países do centro do capitalismo - EUA, Inglaterra, Japão - se defendem minimamente, por ter políticas monetárias nacionais, mas estão envolvidos na mesma tendência, que abrange a totalidade dos países centrais do capitalismo.
Essa a consequência mais importante do que ocorreu em 2011: projeção de recessão prolongada no centro do capitalismo, que será o cenário econômico internacional. Não significa que não haja oscilações, mas sempre entre recessão, estagnação e crescimento baixo, com os problemas sociais correspondentes e a instabilidade política de governos de turno que pagarão sempre o preço das políticas recessivas.
No outro plano estrutural - o da hegemonia imperial no mundo - o ano trouxe a novidade da guerra da Líbia, como nova modalidade de intervenção imperial. Tomada de surpresa pelas rebeliões populares na Tunisia e no Egito, que derrubaram alguns de seus aliados fundamentais na região, a reação das potências ocidentais foi buscar revidar com o apoio maciço, especialmente militar, à oposição na Líbia, que contou com o beneplácito da ONU - com sua cínica decisão de proteção das populações civis" - e a intervenção militar pesada da Otan, que bombardeou o país durante mais de 6 meses, contando com o protagonismo da Inglaterra, da França e da Itália e o apoio logístico dos EUA, até obter o que buscava: a queda do regime de Kadafi e sua morte. Foi uma nova modalidade de intervenção, numa região que passa a ter instabilidades políticas prolongadas.
Renovou-se assim o arsenal de formas de intervenção das potências imperialistas, que se voltam agora para a Síria e o Irã, enquanto a saída das tropas dos EUA do Iraque não prenunciam o fim dos conflitos, transferindo-os agora para a disputa de hegemonia entre as facções internas. A violência só aumentou, o que passa também no Afeganistão, o que faz com que, depois do sucesso da derrubada dos regimes desses dois países, a uma vitória militar os EUA não tenham conseguido impor uma vitória política.
A chamada "primavera árabe" trouxe um elemento novo na região, que estava congelada de participação popular e, de repente, viu multidões ocuparem praças para derrubar ditaduras. O movimento, que começou neste ano, ainda deve ter longos desdobramentos, porque as ditaduras bloquearam o surgimento de forças alternativas durante décadas e nas eleições tendem a triunfar aquelas que tinham espaço, mesmo se restringido, nos velhos regimes: partidos e movimentos islâmicos. Mas os processos em países como a Tunísia e o Egito estão longe de terminar, como demonstra o novo ímpeto das mobilizações no Egito, agora diretamente contra o papel que os militares tentam manter na transição política.
O ano de 2011 acentuou a natureza prolongada e profunda da atual crise capitalista, porém os modelos alternativos ao neoliberalismo ainda tem existências regionais - como o caso da América Latina e, de forma distinta, a China. Da mesma forma, as debilidades da hegemonia imperial norteamericana ? não consegue manter e ganhar duas guerras ao mesmo tempo, por exemplo - não encontra ainda formas multipolares com capacidade suficiente para superar o mundo unipolar existente. Assim, se prolongará o período de instabilidades e turbulências que a crise do neoliberalismo e do imperialismo introduziram, até que forças com capacidade de superação possas se afirmar. Passos têm sido dados e a própria capacidade de resistência do Sul do mundo - em especial da América Latina e da China - à recessão no centro do capitalismo demonstram isso. Mas a disputa hegemônica ainda tende a prolongar por um tempo longo. O certo é que o mundo sairá distinto desta segunda década do século XXI - melhor ou pior -, mas distinto, porque os sintomas de esgotamento dos seus esquemas econômicos e políticos dominantes são evidentes.

(*) Emir Sader é sociólogo. Artigo publicado originalmente no Blog do Emir.